Dois dias depois de ter sido infectado por um parasita alienígena — "parasita não!" — Ok ok, foi mal… dois dias depois de me conectar a um simbionte, eu — "nós" — nós saímos para nossa primeira patrulha como vigilante.

Eu admito, patrulha é uma palavra forte. Nós não tínhamos ideia de pra onde ir. Acontece que eu não queria ficar muito próximo da minha vizinhança pra não levantar suspeitas nem nada do tipo. Por isso nós demos uma baita volta lá pro outro lado do Queens para "patrulhar", na expectativa de encontrar um bandido desavisado pra servir de saco de pancadas.

Por algum motivo parece que nessa noite a cidade decidiu se tornar segura e nós passamos horas andando por aí e ficando de tocaia no topo de prédios — como os super-heróis fazem… eu acho — e não encontramos nem dois caras numa moto.

Cansados, e já com um pouco de sono, sentamos num banco de um parque qualquer de bairro que nem me lembro o nome.

"Bom dia."

O cumprimento me pegou de surpresa. Como assim bom dia? Que horas esse cara pensa que são? Deviam ser no máximo umas quatro da madrugada e esse cara aleatório tava no parque CORRENDO. Tipo, não fugindo de alguém nem nada assim, ele tava fazendo exercícios. Tem maluco pra tudo mesmo. Apesar de que eu deveria ter ficado mais surpreso de ele ter me cumprimentado ao invés de gritar. Um cara aleatório coberto de preto com um máscara não é uma figura confiável

"Falando nisso nós precisamos pensar sobre o design da nossa roupa. Você pode assumir qualquer formato né?"

"Mais ou menos. Preciso de uma imagem sólida, e não tenho muitas cores."

"Seu padrão é o que? RGB?"

"Vai se ferrar."

Juro que senti ele revirando na minha cabeça o que era padrão RGB.

Acabou que não deu pra discutir muito nessa hora, porque alguns metros a frente eu vi o senhor corredor parando pra falar com um cara esquisito de sobretudo… que pulou pra cima do pescoço dele. Não sou de me meter na intimidade dos outros, mas pelos gritos não parecia ser algo consensual.

Partindo em disparada nós saltamos pra cima do cara do sobretudo, o que acabou derrubando também aquele corredor. Nós três rolamos pelo chão e quando me levantei pra checar o corredor ele estava desacordado e com o pescoço sangrando. Haviam duas pequenas marcas de furos em seu pescoço.

"Que porra é essa!? Quem diacho é você?" Ouvimos o sobretudo responder com sua voz esganiçada.

Virando para encarar melhor o que estavamos enfrentando, vimos um cara na verdade muito normal. Altura mediana, peso mediano, cabelos castanhos, olhos castanhos. O que se destacava era a pele muito pálida, e claro as presas proeminentes de vampiro.

"Parado, criatura da noite! Não vamos deixar que machuque esse civil inocente."

"Por que você tá falando assim?" Perguntou o simbionte na minha cabeça.

"Por que você tá falando assim?" Perguntou o cara do sobretudo.

Eu suspirei.

"Nós somos vigilantes, sacou? Vinhemos te impedir de atacar esse cara."

"Nós quem porra? Tu tá sozinho. E desde quando tem vigilante por aqui?" Pra um vilão esse cara tinha muitas reclamações.

"Isso não importa. A gente é novo por aqui, é só isso."

"Por que você continua falando 'nós'?" Ele insistiu e parecia consternado de verdade

Eu suspirei de novo.

"Aparece aí vai."

Quando disse em voz alta uma cabeça branca e com dentes grandes brotou do uniforme no meu ombro.

"Olaaa".

O sorriso dele era tenebroso até pra mim e foi o bastante pra fazer o cara do sobretudo pular de susto e quase cair pra trás.

"Esse é meu parasita alienígena, esse é meu lance."

"Não sou parasita!"

"Tá tá pode voltar já."

Ele obedeceu mesmo que a contragosto. O cara do sobretudo tava com uma cara de terror e confusão que quase me fez rir.

"Ok… então você é tipo o Garoto Parasita?"

"Nós ainda não decidimos um nome."

"Bom, não importa. Infelizmente a carreira de vocês será bem curta." Dizendo isso ele assumiu uma postura mais sombria. Ele puxou sua capa das costas para cobrir o rosto — sim ele estava usando um sobretudo e uma capa, ele era muito estranho — e começou a falar numa voz macabra. "Vocês tiveram o azar de encontrar com a mais maligna das criaturas da noite, o sugador impiedoso, o demônio do Queens, o ápice da criação. Eu sou… o Homem-Vampiro!" Ele anunciou com toda a ponta e soltou uma gargalhada maligna daquelas de desenho animado mesmo. "Muawhahahahaha".

"..."

"..."

"..."

"Que foi? Ficou sem palavras diante da minha figura nefasta?"

"Desculpa, mas só uma dúvida… Homem-Vampiro?" Enfatizei minha confusão.

"É, sabe, um homem com os poderes de um vampiro." Ele respondeu como se fosse muito óbvio.

"Isso não faz de você só um vampiro normal?"

"Não, não, eu ainda sou um homem porque não sou fraco contra o sol nem nada assim."

"Saquei… você pode virar um morcego?"

"... Não."

"Mas você disse que tem os poderes de um vampiro."

O Homem-Vampiro suspirou e relaxou a postura deixando os braços penderem ao lado do corpo.

"Eu tenho super força e me curo rápido."

"Isso não é muito vampiresco."

"E agora tu é fiscal de vampiro porra? Tu é da associação de nomes de vilão?" A essa altura ele já tava ficando pê da vida.

"Você sabe que eu tô certo."

"Eu tenho que beber sangue pra ativar e manter essas habilidades, tá bom? É assim que funciona. É o meu 'lance'." Ele fez as aspas com os dedos mesmo.

"Na moral, que vampiro piratex foi esse que te mordeu hein? Essa é tipo a pior versão de um vampiro, tu nem tem os poderes mais legais."

"Eu não fui mordido, tá bom?!" A forma como ele gritava e reclamava era difícil de não rir, ele parecia o Pato Donald quando tá irritado. "Um dos meus antepassados era um vampiro, os poderes foram sendo diluídos ao longo das gerações."

Eu suspirei. Bem alto.

"Acho que não dá pra pedir muito do primeiro vilão."

"Ah vai se fuder. Cansei de você."

Finalmente ele decidiu atacar, saltando pra cima de mim com tudo. Não sei se foi a raiva ou ele só era tosco mesmo, mas sua postura estava completamente aberta. Ele foi muito descuidado. Bastou um socão bem dado no meio da cara pra atirar ele voando contra uma árvore.

Me aproximei pra conferir o estado dele e já estava completamente apegado.

"Qualeeee. Ele não deu nem pro cheiro."

"A gente já pode comer ele?" O simbionte pediu.

"Nãaaao. Temos que entregar ele pra polícia." A negativa foi seguida por um lamento irritado do meu outro. "E depois, quem sabe o que o sangue desse cara faria com a gente? Eu não quero virar um vampiro… ou quase um."

"O que é um vampiro mesmo?"

"Pera, esse tempo todo você tava sem saber o que é um vampiro? Não era só procurar na minha cabeça?"

"Eu tentei, mas só achei essa mulher loira com uma espada falando um idioma que não conheço"

Achei melhor ficar quieto e tentei esvaziar a mente. Ainda é muito cedo pra ele descobrir sobre anime, ia acabar tendo várias ideias erradas.

Amarramos o Homem-Vampiro com a própria capa e largamos ele na delegacia mais próxima junto de uma cartinha e do senhor corredor. Espero que ele não vire um "quasepiro" também, já basta um desses.