Meu nome é Gwendolyn Stacy, mas pode me chamar de Gwen. Sou redatora no jornal Clarim Diário. Só que disso você já sabe, então deixa eu contar as novidades. Faz duas semanas que aquelas fotos do cara da espada apareceram no fórum de avistamentos, e de lá pra cá ele começou a ficar bem mais ativo. Ele tem aparecido consistentemente no Queens, mas também em Manhattan. E estreou um uniforme novo ficou bem mais interessante que aquele todo preto. Foram adicionados vários detalhes em vermelho, e inclusive um logo, que eu não sei dizer o que é (talvez um morcego ou um dragão), mas que é super maneiro. Ele também tem um jaqueta branca com capuz que contrasta o restante da roupa e fecha um visual moderno que reflete uma tendência streetwear/techwear já vista em alguns outros heróis atuais como o Blade (para mais detalhes confira o artigo "A moda de rua no visual dos super-heróis contemporâneos" no meu blog).
Vejo muito potencial nesse cara novo (ainda não sabemos o nome dele), e por isso tenho insistido pro Jameson me escalar como correspondente dele. Aqui no clarim alguns repórteres e redatores são escalados para cobrir heróis e vilões específicos, para garantir que não vamos perder nada. Temos uma grande reputação pela qual zelar. Ao invés disso ele tem deixado as matérias por conta do idiota do filho dele, o John III. O garoto tem só 19 anos, não sabe nada da vida além de fazer o que o papai manda, e só tá aqui porque foi rejeitado pelo exército e não tinha mais o que fazer da vida.
É por causa dele, e do Jameson, que vim até a sede do Clarim Diário hoje, no meu dia de folga. Já saí do elevador furiosa, e andei apressada até a sala do Jameson.
"Bom dia, Gwen. O que…" A secretária do Jameson tentou falar quando me viu chegando.
"Desculpa, Mandy. Sem tempo agora."
Convenientemente, quando eu arrombei a porta da sala já estavam lá os dois Jameson, o pai quase careca, e o filho com aquele mullet ridículo.
"Que porcaria é essa, Stacy!? Se quebrar essa porta você vai pagar!"
"Eu que pergunto, que porcaria é essa aqui Jameson?" Ao falar eu quase acertei a cara dele com o jornal do dia. Havia um foto do cara novo na primeira página ao lado de uma viatura cortada ao meio e ao fundo uma mulher com um bebê de colo chorando, na manchete lia-se Nova ameaça na cidade: Vigilante bárbaro entra em conflito com a polícia e ameaça cidadãos. "Sei que vocês não são fãs de super-heróis, mas isso aqui é pura mentira. Eu vi ele passando nesse dia, a viatura tinha sido roubado e quase atropelou uma mãe com um bebê. Como pode chamar ele de bárbaro?"
"Qualé, Gwen. Esse cara tem uma espada, outro dia ele cortou fora a mão de um cara na frente de todo mundo. Não pode chamar alguém tão violento de herói." Foi o garoto John quem respondeu, com aquela vozinha irritante de rato dele.
"É, a mão que tava segurando um fuzil apontado pra cara de um monte de reféns."
"Não se faz notícia apenas agradando as pessoas, Stacy. Temos que abrir os olhos da população para as ameaças da cidade." Como sempre, Jameson falava aos berros, cuspindo para todo lado.
"Não se faz notícia com mentiras, Jameson". Devolvi também aos berros.
"Tem razão, se faz com informação." John se intrometeu. "E não temos nada sobre esse cara além do vimos com os próprios olhos: violência e descuido."
"Cala a boca que a conversa ainda não chegou na creche." Foi minha resposta. "Se quer informação eu consigo, sou muito mais capacitada que esse moleque."
"Não me chama de mole…"
"Quieto, John!" Quando o papai mandou ele obedeceu. "Então prove, senhorita Stacy. Traga informação de verdade, exclusiva, e te deixo ficar responsável pelas matérias sobre esse cara."
"Temos um acordo, Jameson." Firmei confiante.
…
Esse plano talvez não tenha sido muito inteligente, afinal não é como se eu tivesse um jeito fácil de contatar o herói novo. Só podia contar com a sorte de esbarrar com ele no meio de alguma confusão perigosa.
Tentei mandar mensagem pro Benio, conversar com ele sempre me ajuda a organizar as ideias, só que o maldito não tava nem vendo minhas mensagens. Isso tem acontecido bastante ultimamente, o que é estranho já que ele sempre respondia rápido. Será que tá de namorada nova…?
"AAAAAAAAAAAAAAAHHHH!"
O grito me acordou pra realidade. Tava tão distraída pensando no Benio que quase fui atingida por algo que primeiro pensei ser uma bola de demolição, mas na verdade era um homem rinoceronte muito grande. Ele veio voando quando eu estava dobrando a esquina, ou melhor dizendo, foi arremessado. Rolando como uma bola ele foi afundando no asfalto até parar numa cratera, como se fosse um meteoro.
Quando olhei pro outro lado vi na distância um carro forte virado no meio da rua, com um buraco enorme na lateral, e correndo dessa direção vinha nosso novo espadachim de capuz. Às vezes a minha sorte é inacreditável, ou o roteirista da minha vida só é meio preguiçoso, vai saber. Inclusive, podia jurar que ele me encarou quando passou correndo por mim.
O cara rinoceronte até que levantou rápido. Infelizmente pra ele o saco de dinheiro que carregava na mão rasgou e tava tudo espalhado pela rua. Claro que as pessoas não perderam tempo em catar o dinheiro pra elas, não é como se a polícia pudesse pegar todo mundo.
"Arrombado do caralho! Vou te matar!" Explodiu Rhino.
"Olha a boca, grandão. Ninguém nunca te disse pra ter cuidado na hora de sacar dinheiro? Tem muito malandro por aí só esperando por um otário."
A zombaria do encapuzado só parecia deixar o Rhino mais furioso, se isso era possível. O criminoso começou a bater os pés no chão violentamente, provocando um tremor que derrubou as pessoas próximas e o encapuzado.
"Ei, ei! Não precisa fazer birra. Papai vai te levar de volta pro zoológico."
Pelo que vi até agora dele, diria que as piadinhas ainda podem melhorar, mas pelo menos ele não perde o tom sarcástico. Atitude é essencial para um herói.
O encapuzado pulou com tudo, criando uma onda de choque que me fez cair de bunda no chão. Eu estava correndo atrás deles com a câmera pra registrar. No meio do ar, ele estendeu a mão pro alto e dela saiu uma massa negra que se transformou numa espada. Em resposta, Rhino agarrou o chão com as duas mãos arrancando um pedaço de asfalto enorme e atirando na direção dele. O pedregulho foi cortado ao meio com facilidade e quando as metades voaram prós lados tentáculos negros brotaram das costas do herói, agarrando as duas metades e esmagando o vilão com elas.
"Seu temperamento é péssimo né? É melhor eu tomar uma vacina contra raiva depois daqui."
"Dá pra vc só brigar e não ficar tagarelando?" O Rhino reclamou saindo de baixo dos escombros.
"Se você fosse mais forte eu não precisaria ficar me distraindo."
"Para de zombar da minha cara!"
Quanto mais Rhino se enfurecia, mais ele perdia o controle e começava a agir de forma animalesca. Nesse ponto, ele começou a correr de quatro para uma investida tal qual uma rinoceronte de verdade. O problema é que assim ele não conseguia olhar pra frente e não viu quando o encapuzado juntou as mãos produzindo um escudo negro. Rhino acertou uma cabeçada com tudo contra o escudo, causando um estrondo enorme, e desmaiando de cara.
A polícia já estava no encalço dos dois então chegaram logo em seguida para levar o Rhino. Eles tentaram barrar o encapuzado também, acho que queriam tirar algum tipo de depoimento ou talvez prender ele também. Sabe como é a polícia né? Aproveitei a chance pra chegar perto dele.
"Com licença! Eu trabalho pro Clarim Diário, meu nome é Gwen Stacy. Pode me dar uma entrevista, por favor? Qual seu nome?" Gritei enquanto tentava passar pelos policiais, meu braço esticado com o gravador na mão. Foi em vão, ele olhou pra mim mas acabei sendo a distração que ele precisava pra escapar da polícia.
Pensei que a minha sorte tinha acabado pelo dia, e decidi ir logo pra casa. Porém, fui surpreendida pelo caminho.
"Oi, Gwen Stacy do Clarim Diário." Ouvi uma voz me chamar ao passar ao lado de um beco.
Olhando pra cima, vi o encapuzado me encarando. Ele estava de pé na escada de incêndio de um prédio.
"O que você tá fazendo aqui?"
"Ué, você pediu uma entrevista, não foi?"
Ouvindo a resposta eu sorri e me aproximei, tirando novamente meu gravador de mochila.
"Eu preferia fazer isso em um lugar que não cheirasse a lixo, mas vai dar pro gasto."
"Não seja por isso."
O braço dele se transformou numa massa negra e me agarrando pela cintura ele pulou, levando nos dois para cima do prédio.
"Aaaaaah!" Eu gritei surpresa ao ser lançada e aterrissei paralisada. "NUNCA mais faça isso."
"Foi mal." Ele respondeu risonho.
Quando me recuperei, notei que a vista ali do alto era bem bonita. O sol já estava se pondo e pintando a cidade com um brilho alaranjado encantador. O encapuzado se sentou no parapeito e me encarou. Então sentei ao seu lado.
"Para começar, como eu deveria te chamar?"
"Bom, segundo seu jornal, somos um bárbaro, não é?"
"Isso foi coisa do meu editor, ele não vai com a sua cara." Suspirei. "Desculpa por isso."
"Isso não me incomoda. Sabe quem são os bárbaros originais?"
"Na verdade, sei sim. Um amigo me contou uma vez. Os romanos chamavam de bárbaros todos aqueles povos que eram de culturas diferentes, não era isso?"
"Isso mesmo, seu amigo deve ser bem esperto." A forma como ele falou isso foi estranha, não irônica ou sarcástica, mas meio risonha. "Apesar de serem chamados de bárbaros, eles eram civilizados e tinham uma cultura rica. Irônico né? Não soa tão ruim."
"Então esse vai ser seu nome? Bárbaro?" Falei tentando evitar de rir do nome.
"Não exatamente. Nós escolhemos Barbárie."
"Não é ruim." Respondi anotando no meu caderno. "A propósito, o que quer dizer com 'nós'? Vocês são não-binários? Tem múltipla personalidade? O que?"
"Nós somos literalmente dois. Um humano e um alienígena, em perfeita simbiose."
"Alienígena? Tipo o super-homem?"
"Tá mais pro Besouro Azul."
"Então você é fã de heróis de quadrinhos."
"Tá anotando isso também?"
"São informações muito relevantes." Afirmei me fazendo séria. "Falando isso, como você se declara? Super-herói? Vigilante? Anti-herói?"
"Sei que meus métodos não agradam todo mundo, não sou um herói limpinho, mas quero ser um herói de verdade. Nós queremos."
"Sobre seu uniforme, o que é esse símbolo no meio?"
"Ah, também não sei exatamente. Parece que é um tipo de dragão alienígena. Foi ele quem escolheu."
"Então as decisões de herói tem que passar pelos dois?"
"Não exatamente. Somos dois que são um. Toda decisão é de ambos."
"Tem certeza que isso não é um parasita de controle mental? Tem muitos desses no espaço." Foi uma dúvida sincera mas fez ele rir bastante.
Essas perguntas foram as mais interessantes, mas ainda ficamos ali uns trinta minutos conversando e fazendo perguntas mais simples pra preencher o artigo.
"Acho que já tenho tudo que preciso pro artigo. Obrigado pelo seu tempo." Agradeci me levantando.
"Eu que agradeço. Espero que ajude a melhorar minha reputação."
"Prometa que só vai falar comigo de repórter e garanto que te faço o herói mais popular da cidade."
"Será que você se garante mesmo?" Ele perguntou risonho. "Tá combinado. De agora em diante você é minha repórter, senhorita Gwen Stacy." E estendeu a mão pra firmar o acordo.
"Podem confiar em mim, senhores Barbárie. Vou fazer todos amarem o protetor letal de Nova York." Retribui o aperto de mão junto de um sorriso confiante e determinado.
