18 de outubro de 2017.
Vista Del Rey, Heywood, NC.
"Tem algo aí pra mim?"
O sussurro no ouvido de Kiba o sobressalta. Ao se virar, se depara com uma Hinata sorridente e cheia de segundas intenções.
"O que tá fazendo aqui?"
"O que eu tô fazendo aqui? Eu estudo aqui, babaca!"
"Não é o que parece já que mais falta do que comparece."
"É o jeito dele de dizer que está com saudades." Shino se pronuncia e Hinata solta uma risada.
"Ele sempre foi esse cão grudento. Tem novidades, Shino?"
Averiguando os arredores, Shino enfia as mãos no bolso para compartilhar com Hinata um pacote de pílulas. Porém, ao esticar o braço, o mesmo é barrado por um Kiba levemente irritado.
Hinata o encara, confusa.
"Tá reservado."
O olhar dela intercala entre os garotos.
"É seu?"
"Pode ser."
"Qual foi, Kiba?" Shino não entende a atitude do amigo.
"Você some por vários dias e quando aparece está sempre atrás de alguma coisa. Fomos reduzidos a apenas seus fornecedores?"
"Para de ser marica!"
"Não me trate desse jeito, Hinata."
"Qual é o seu problema? Sabe que as coisas em casa não são fáceis. Nem sempre tenho cabeça para ficar nesse inferno de escola também."
"Se precisa de alívio sabe que pode contar conosco. Somos seus amigos."
"E não é isso que eu estou fazendo?"
"Não veio procurar por nós."
"Kiba, para de ser implicante, cara." Shino intervém, mas Kiba persiste.
"Se não tivéssemos os doces que ela gosta, eu duvido que ela lembraria que existimos."
Um suspiro irritado escapa dos lábios de Hinata.
"O que foi? Acabou o seu estoque e veio abastecer?"
"É, caralho!"
Kiba a encara.
"É muito cedo, não é possível que você tenha usado tudo."
"Vai ficar me regulando agora só porque você esta sem uma boceta pra comer? Que porra, Kiba?!"
"Eu me preocupo com você, Hinata. Mesmo que você mesma não se importe com absolutamente nada."
"E tá preocupado com o que, porra?"
Os olhos de Kiba pousam em Shino.
"Não dê nada para ela."
A pouca paciência de Hinata acaba se esgotando.
"Quem você pensa que é?"
"Você aumentou o consumo. Eu reparei."
"E isso por acaso é da sua conta?"
"Hinata-
"Cuida da sua própria vida!" O peito de Kiba é empurrado por uma Hinata enraivecida.
"Chega disso, vocês dois, caralho!" Shino se coloca entre eles. "A gente ainda tá na escola, esqueceu?"
"Eu não tô com tempo pra isso. Você tem algo pra mim ou não, Shino?"
Shino lhe entrega os pacotes, recebendo de Kiba um olhar acusador. Antes que pudessem confrontar Hinata sobre qualquer coisa, tudo que podem ver são suas costas quando ela se vira, deixando o esconderijo deles rapidamente.
"Por que você deu pra ela, caralho?"
"Até parece que da pra frear ela. Ela iria me infernizar até entregar. Qual foi a sua?"
Kiba empurra as mãos de Shino de sua blusa e se afasta, segurando os próprios cabelos.
"Cara, você tem que parar com essa obsessão pela Hinata."
"Não é isso."
Shino se encosta novamente contra a madeira e acende outro cigarro.
"O que foi então? Vai ficar regulando a garota de graça agora?"
Kiba encara a saída por onde Hinata saiu.
"Ela ta passando dos limites."
"Deve ser impressão sua. Hinata sabe se cuidar."
"Mas não é só isso." Ele se vira lentamente, ponderando sobre o que viu mês passado. "Eu… se lembra quando Hinata ficou uns dias em casa no mês passado? Te disse que fomos à Afterlife."
"Lembro."
"Eu voltei pra casa sozinho naquela noite. E depois daquele dia eu não vi mais ela."
Shino o espera continuar.
"Eu achei esquisito, mas vi a Hinata saindo da boate com o padrasto dela."
"Ele foi buscar ela?"
"Sim, foi o que pareceu."
"E o que tem?"
Kiba suspira. "Eu não sei, cara. Achei estranho o modo como eles… estavam próximos, muito próximos."
"Defina próximos."
"Hinata parecia estar passando mal e eu vi ele a acolhendo. Ele tava a levando pro carro dele e ela se agarrava nele."
Shino deixa de tragar por um momento.
"Se agarrando?"
"É."
"Como assim se agarrando?"
"Porra, Shino! Você entendeu, caralho! Ela abraçava ele como se ele fosse mais do que um padrasto. Eu achei esquisito."
"Você tá querendo chegar aonde?" Shino o encara. "Por que sinto que você ta insinuando algo?"
"Eu tô, mas posso tá errado também."
"E tome cuidado com o que você esta insinuando."
Kiba solta uma risada nasalada. "É sério? É da Hinata que estamos falando, a mesma garota que fez o professor de Biologia se demitir por ter transado com ele. Eu não duvido de nada vindo dela."
"Mas presumir que ela estaria dormindo com o próprio padrasto seria demais, até para ela."
"Eu não acho."
"Que porra, Kiba…"
"Você costuma defender uma imagem que não existe da Hinata." Kiba o encara ao se aproximar. "Projeta uma versão irreal. Eu sei o que vi e não queria estar criando teorias, mas eu estou. Não é só ela. Ele a tocava como se… como se fossem íntimos. E por que ele foi buscar ela às 1h na Afterlife?"
"Ela pode ter ligado pra ele."
"Não ligou. Ela não queria voltar pra casa, deixou isso bem claro. Sabe como ela fica no mês de aniversário de morte do pai. Ele que veio atrás dela e a levou embora."
"Você devia tá tao chapado quanto ela. Pode ter interpretado errado."
"Shino, mas que merda?"
"Esquece essa merda, Kiba. Tô te falando. Esquece a Hinata também ou você vai ficar doido. Ela é imprevisível e você não saberia lidar com ela."
Dito isso, Shino apaga seu cigarro e agarra a mochila para retornar para a aula, chamando o amigo. Porém, Kiba fica estático no lugar, ponderando mais uma vez.
Ele não estava tão bêbado a ponto de confundir alguma coisa. Ele chegou no momento que Hinata terminou de vomitar e viu Naruto debruçado sobre ela. Ele afastou o cabelo do rosto dela e Hinata o agarrou ao se levantar, abraçando a cintura do homem mais alto. Kiba os observou caminhar até o carro e reparou na mão de Naruto na curva da cintura dela. Um ato fora do comum entre padrasto e enteada, ainda mais no caso deles. Hinata dizia que não eram próximos e que mal se falavam.
Ele a colocou no banco de trás, deitada. Por algum motivo, Kiba desconfiava de que Hinata não foi para a casa naquela noite.
Ele gostaria de esquecer. De não acreditar no que aquela imagem insinuava. No entanto, conhecendo Hinata como ele conhece, o que o machucava era saber que partindo dela, poderia esperar qualquer coisa.
E se conhecendo mais ainda, sabia que não iria esquecer a cena tao cedo.
[...]
Ao chegar em casa, uma Hinata agitada atravessou a porta feito um furacão e adentrou seu quarto, trancando a porta logo em seguida.
Shino havia lhe dado três pacotes e sua abstinência estava a consumindo naquele exato momento. Sua irritação apenas aumentou com a intromissão de Kiba. Sempre bancando o namorado protetor e cuidadoso. Sendo tão podre quanto ela.
Para Hinata, o pequeno aumento no consumo não era preocupante. Até onde sabia, conseguia se controlar. Sabia quais drogas não poderia tocar e quais poderia suportar. Sempre teve tudo sob controle. Sempre soube seus limites.
No entanto, encarando o pequeno pacote no colo, em seu íntimo, tinha de admitir que talvez estivesse passando um pouco dos limites. Suas alterações de humor lhe diziam algo, mas preferia colocar a culpa em outro sentimento que não fosse sua dependência química claramente aumentando.
Sentia falta de Naruto. O tempo todo.
Desde o episódio em seu apartamento, onde Hinata foi levada ao subspace, sentia que sua relação com Naruto se fortaleceu.
Sem perceber, passou a desejá-lo cada vez mais.
Entendia essa diferença, pois no início, seus planos eram apenas o seduzir para se vingar da mãe. Dormir com Naruto não passava de um plano maléfico e imoral para satisfazer suas próprias perversões referentes ao ódio que nutria pela própria genitora.
Hinata sabia do seu poder de sedução. Sabia que conseguiria tê-lo.
Mas após meses nesse caso proibido e pecaminoso, percebeu que há um tempo não se resumia mais a apenas um plano vingativo. Estava apegada a Naruto.
Mais do que deveria.
Mais do que pretendia.
Acabou virando refém de sua própria armadilha.
Quando pensou que o teria na palma da mão, percebeu que quem a obtinha, era ele.
Geralmente, gostava de pensar no desprazer da mãe se um dia viesse a flagrá-los juntos na cama. Gostava de abrir as pernas para ele se enterrar dentro dela com a presença de sua mãe ainda na casa. Ficava fodidamente molhada ao gemer o nome de seu padrasto, tendo plena consciência de que estava o tirando da mãe. Se deliciava com o pensamento de que, após gozar dentro dela, seu padrasto ia se deitar com sua mãe, como se fosse o namorado perfeito.
Como adorava cavalgar no colo dele no escritório da biblioteca. Ouvindo o ronco do carro de Hera estacionar e as chaves adentrarem a fechadura da porta de entrada. Seus olhos imediatamente se voltavam para a porta trancada do escritório, visualizando os passos da mãe, a ouvindo chamar por Naruto, sem sequer saber que no presente momento ele estava ali, embaixo de Hinata, enteada dele, filha dela, gemendo contra o pescoço dela enquanto sua boceta apertada e escorregadia deslizava pelo pau inchado dele, o levando ao delírio.
Naruto sempre ficava tenso, temendo serem pegos, mas Hinata sorria de forma lasciva em seu colo, agarrando seu rosto e o obrigando a olhá-la. Ela esfregava os seios no rosto dele até a língua molhada rodear seu mamilo e seus dentes a morderem. Contraía sua vagina ao redor do pênis endurecido dentro dela e rebolava em seu colo com mais vigor, para entorpecê-lo. Se sua mãe viesse a flagrá-los, gostaria que a cena estivesse muito bem construída. Gostaria que ela visse na expressão do namorado o prazer que sentia ao foder a enteada, ao arrombar sua boceta, ao gemer o nome dela. Que ela visse no rosto de Naruto o quanto ele amava foder a filha mais velha dela.
Agora, entretanto, o prazer de Hinata estava resumido a apenas Naruto e com isso, a onda de ciúmes apenas crescia.
Tantas noites e dias compartilhados com ele, Hinata percebeu que ele era mais ideal para ela do que para sua mãe.
Naruto era mais autêntico nos braços de Hinata. Sem fingimentos, sem rótulos, sem sombras para esconder seus desejos mais promíscuos. Com Hinata, ele poderia ser quem ele realmente era.
E Naruto abraçava justamente a versão mais perversa dela. Ele sabia o quanto ela era dissimulada e inapropriada. Tinha plena consciência do prazer que Hinata tinha em ser dele, principalmente embaixo do nariz da mãe. Ele conhecia seu pior lado e a desejava mesmo assim.
Foram atraídos pelas facetas mais sujas que possuíam um no outro, foram unidos pela falta de moral e bons costumes. A indecência que os rodeava tornava tudo ainda mais interessante. Ambos não prestavam. Ambos eram imorais e indisciplinados, compartilhando juntos um segredo imundo que, se descoberto, desencadearia um turbilhão de eventos.
Ele, um homem de 31 anos, dormindo embaixo do mesmo teto que a atual namorada e intercalando noites entre ela e a enteada. E ela, 17 anos, se deitando com o próprio padrasto. Traindo a própria mãe.
A satisfação de toda situação apenas a excitava, mas sua vingança já estava de bom grado.
Infelizmente, Hera não sofreria ao saber da relação proibida deles, porque esse fato jamais seria descoberto. Hinata teria que se contentar em saber que o homem que a mãe estava amando não a amava de volta, não a queria, não a desejava. Ele nunca foi dela. E agora, mais do que nunca, Naruto pertencia a Hinata.
Eles eram mais compatíveis. Se entendiam como ninguém.
Uma relação sem facetas hipócritas e mentirosas. Eles se conectavam através do pecado que compartilhavam, dos desejos sujos que os consumiam e assim, a relação se tornava perfeita.
Pelo menos aos olhos de Hinata.
Diferente de Naruto, ela não tinha muito a perder.
Gostaria de convencer o padrasto a terminar o relacionamento com a mãe, para assim ser somente dela.
Não precisava mais disso. Precisava apenas de Naruto.
Já havia o tirado de sua mãe de diversas maneiras, só faltava dar o veredito final e ela ser trocada pela filha, de uma vez por todas.
Voltou a fitar os pacotes esquecidos no colo. Especialmente hoje, se sentia estranha.
A inquietude em sua perna direita, que nunca parava de se mexer a dizia algo.
A ansiedade crescendo no peito a deixava irritada. Sua mente fervilhava e se sentia tão cansada. Apenas por pensar em excesso.
Pensava em tudo e em nada ao mesmo tempo.
As palavras de Kiba ecoavam, mas ela se recusava a aceitá-las.
Esta tudo bem. Você esta bem. Como sempre esteve. Esta tudo sob controle.
Sua perna tremia involuntariamente num ritmo frenético. Suas pequenas unhas arranhavam o tecido do jeans por cima da pele.
Respirou fundo antes de abrir o primeiro pacote e digerir uma pílula.
Guardou um no bolso do jeans e escondeu os outros dois em sua penteadeira.
Deitaria por hora. Seu coração estava acelerado, precisava se acalmar.
Quando fechou os olhos, não demorou muito para se teletransportar para outra dimensão. Seus sentidos foram dominados e sua mente apagada.
A perna frenética parou. Os braços caíram, esparramados pela cama.
O efeito foi rápido e assim como almejado, Hinata foi levada ao mundo do entorpecimento. Que para o seu desprazer, não duraria tempo o suficiente para satisfazê-la por completo.
Nunca duraria.
Após o efeito passar, a sensação da abstinência era como sentir a seca em sua garganta em um deserto estarrecedor. A água que lhe é oferecida cintila sob o sol e a sede arranha-lhe a garganta com a pouca saliva.
Nada se iguala à primeira vez que bebes desta água naquele solo seco e infértil. Saciando uma sede incontrolável que se sabia que se não fosse saciada, poderia lhe tirar a vida. O líquido desce por sua garganta necessitada e lhe acalenta a sede por meros segundos. Seu corpo se satisfaz, você está bebendo a água. Ela está o nutrindo. Ela invadiu seu sistema e saciou-lhe completamente. É uma sensação única.
Mas ao abrir os olhos, você percebe que ainda está no deserto. O líquido da vida pinga pelas beiradas de seus beiços rachados, e seu cantil está vazio.
A sede retorna, tao visceral quanto da primeira vez. Somente de olhar aquele cantil vazio, sua garganta seca de novo. Toda a ilusão que seu corpo sofreu ao beber aquela água é tudo que lhe resta, pois está desnutrido de novo.
Precisa de mais.
Então você vaga pelo deserto, procurando mais algum cantil perdido pela areia, morrendo de sede. Suas mãos começam a tremer, suas pernas enfraquecem. Seu coração dispara e sua ansiedade o domina.
Você engole em seco, desejando sentir o líquido lhe satisfazer novamente, exatamente como da primeira vez.
É tudo que você precisa.
Sentir apenas mais uma vez.
Você finalmente encontra mais um, quase soterrado completamente na areia. Com mãos desesperadas, você o destampa e se enche de alegria ao encontrá-lo cheio. Geladinho e cristalino.
Seu corpo grita por isso e você imediatamente o dá o que ele quer. Fecha os olhos e se delicia com a água mais uma vez. No entanto, a sede lhe é saciada apenas no primeiro gole. O restante não desce por sua garganta.
Você olha para o cantil e percebe que este vazio novamente.
Mas como esvaziou tao rápido? Você tem certeza de que não consumiu tudo.
Você consumiu tudo, no entanto, não foi a mesma experiência como da primeira vez, onde você saboreou cada gota que lhe tocou a língua, cada cascata que lhe desceu pela garganta. Onde sua sede foi plenamente satisfeita.
A sensação durou muito pouco. A sede continua, desta vez pior, mais dilacerante, quase sufocante. Você engole em seco, se lembrando da primeira experiência. Desta vez não foi o suficiente, você precisa de mais.
O cantil está vazio. Hora de procurar outro. Pois ao abrir os olhos, você ainda está no deserto.
E assim, a sua busca incessante por um alívio que você nunca mais vai sentir da mesma maneira, continua. O seu corpo grita. Ele clama e você obedece. Não tendo consciência de que a cada novo cantil que encontra, sua sede apenas aumenta.
Você vai vagar por muito tempo. Sempre com sede. Sempre buscando. Sempre insatisfeito. Se tornando dependente de uma mísera gota d'água que vai te trazer a ilusão da primeira bebida, da primeira experiência, mas reduzida cada vez mais.
Você vira refém da própria sede e assim, seu corpo padece, juntamente de sua mente, por ansiar algo que nunca mais vai ter.
Porque afinal de contas, você ainda está no deserto. Sem ter a menor ideia de como sair dele.
[...]
Naruto esteve ausente.
Hinata não conseguia encontrá-lo em casa. Por vezes, ele se ocupava com o trabalho como professor. Se isolava em seu apartamento para corrigir trabalhos, julgar as notas dos alunos e planejar suas aulas. E durante esse período, Hinata ficava longe. Ele a dizia que quando sobrasse tempo a traria para o apartamento, mas que não era para ela ir até ele por conta própria.
E nas vezes que dormia na casa de Hera, era porque estava estudando para seu mestrado. Era comum o encontrar na biblioteca, concentrado e com o belo rosto enfiado em uma montanha de livros. Fazendo anotações e com um vinco formado por entre as sobrancelhas.
Hinata adorava o tirar de seu momento de concentração. Como havia feito exatamente dias atrás e através disso, acabaram fodendo contra a mesa de madeira. Com ela usando o vestido da mãe. Somente para provocá-lo com seu humor perverso e doentio.
Quando retornou para a casa no sábado, ouviu de Hera que ele havia passado por lá apenas para a dar um beijo e compartilhar o desjejum. Não ficou muito tempo.
Hinata não gostou de saber que ele preferiu estar em sua casa na sua ausência. Desfrutando da companhia insuportável de sua mãe.
Ele estava a evitando?
"Por acaso seu namorado vem jantar aqui hoje?" Jogou a pergunta no ar com desdém enquanto abria a porta da geladeira.
Sua mãe estava sentada à mesa, mexendo em um laptop.
"Eu o chamei. Espero que venha. Ele anda muito ocupado." ela respondeu meramente distraída.
Hinata nada respondeu.
Retirou o celular do bolso e enviou uma mensagem de texto, querendo que ele aparecesse hoje a noite. Precisava dele.
Caminhando da cozinha para o corredor, ainda com a atenção voltada ao telefone celular, viu um vulto passar rente à porta do seu quarto.
Demorou para virar o pescoço e conferir apropriadamente, mas teve a sensação de ter visto a irmã.
Foi distraída quando seu celular vibrou com uma nova notificação.
Desapontada, nem se deu ao trabalho de responder Kiba.
Naruto não prestava para responder nem a droga de uma mensagem.
Bufou alto e bateu os pés para o quarto. Bateu a porta, o que fez o sermão de Hera sair abafado.
A coceira familiar havia retornado há um tempo e logo, suas unhas estavam afiadas, lhe arranhando a pele, tentando controlar a ansiedade crescente no seu organismo.
Já estava irritadiça com a abstinência de Naruto. Agora, teria que lidar com sua segunda crise.
O conteúdo que carregava consigo no bolso do jeans se esgotou. Rosnou para o pacote vazio removido do bolso.
Seus olhos vagaram pelo quarto.
Onde eu os enfiei, mesmo?
Começou a procurar pelo quarto. Embaixo do travesseiro, do colchão. Vasculhou as gavetas e a penteadeira.
Sua expressão estava estrangulada.
Onde caralhos escondeu o pacote?
Abriu todos os potes em cima do móvel, jogando todo o conteúdo para fora. Não estava encontrando.
Sua memória lhe informando que havia deixado exatamente ali, naquele pote, em cima da penteadeira.
Como poderia ter sumido?
Ela consumiu apenas um pacote de pílulas. Tinha certeza disso.
Voltou a procurar sem diminuir o desespero das mãos que começaram a tremer.
"Merda!"
Chutou o conjunto de gavetas, frustrada por não encontrar a única coisa que poderia acalmar a tempestade que se aproximava em seu interior.
Sentou-se na cama e puxou os próprios cabelos.
Como ela poderia ter perdido? Não se lembra de ter os retirado do lugar…
Então, de repente, uma recente memória surge em sua mente.
Um vulto na porta de seu quarto.
Naruto não estava em casa. Hera estava na cozinha e Hanabi… Hanabi?
Hanabi teria entrado no seu quarto? Teria mexido nas suas coisas?
Quantas vezes havia lhe dito para não entrar em seu maldito quarto?
O pensamento que atravessa Hinata parece ilógico em todos os níveis.
Hanabi era 5 anos mais nova do que ela. Apenas com 12 anos, não era possível que suas motivações fossem da mesma natureza que sua irmã mais velha.
Mas a mente de Hinata não estava atuando de forma racional e apropriada. Seu estado de abstinência lhe roubava a racionalidade, sobrando apenas a vontade gritante de confrontar o que sua irmã havia pegado de seu quarto.
A fazendo acreditar que a garota havia roubado seus pacotes para entregá-los para a mãe.
"Hanabi!"
Seu grito ecoou, mas a porta estava fechada. Deixando a bagunça do quarto para trás, Hinata parte para a cozinha ao enxergar a cabeleireira castanha da irmã.
"Hanabi! Mas que porra?"
Os olhos da caçula se arregalam ao ser chamada. O pedaço de massa que mastigava quase ficou preso na garganta ao tentar engoli-lo apressadamente.
"Hinata, o que foi?"
O som de sua palma batendo contra a mesa bem ao lado de seu prato a assusta.
"O que você pegou do meu quarto?"
"O-O quê?"
"Fala! O que você pegou do meu quarto?"
Hanabi se levanta para se afastar. Não gostando do tom agressivo da irmã.
"O que eu peguei? N-Nada!"
"Você entrou na porra do meu quarto e mexeu nas minhas coisas!"
"N-Não! Eu não mexi. E-Eu não peguei nada!"
"ME DEVOLVE!"
Hanabi se sobressalta com o grito repentino. Completamente confusa.
"Devolver o quê? Eu não peguei nada, Hinata!"
"Se você não me devolver agora mesmo o que você pegou, eu juro por Deus que eu vou-
"Eu não peguei nada! Eu juro!"
"PARA DE ME FAZER DE IDIOTA E ME DEVOLVE ESSA MERDA!"
"Mãe!"
Hanabi olha para os lados, procurando pela mãe. O tom de Hinata estava a amedrontando.
Ela tentou passar por Hinata para procurar pela mãe, mas seu braço é firmemente agarrado.
"Nem pense em ir entregar para ela. Me devolve agora, sua pirralha maldita!"
"Eu não sei do que você ta falando!"
"Sabe sim! Me devolva agora o que você pegou! ANDA!"
Assustada o suficiente, os olhos dela marejaram. Pela primeira vez, estava sentindo medo da irmã. Enquanto encarava aqueles olhos carregados pela fúria dos deuses do submundo, Hanabi não estava reconhecendo a própria irmã. Sua mão estava a machucando e seu tom a magoando.
"Hi-Hinata, por favor. E-Eu não peguei nada, por favor, pare com isso…"
"ME DEVOLVE A MERDA QUE VOCÊ PEGOU, HANABI!"
"Hinata… por favor…"
"Anda, porra!"
Hanabi puxa o braço e consegue escapar do aperto da mais velha. Chamando por sua mãe novamente, seus pés correm para as escadas, tentando alcançar seu quarto.
"Volta aqui!"
Com Hinata em seu encalço, Hanabi escorrega nas escadas enquanto tenta fugir do estado de descontrole da irmã.
"MÃE!"
"HANABI!"
Sendo mais rápida, ela consegue entrar no quarto e fechar a porta, mas antes que consiga trancá-la, os ombros de Hinata colidem contra a madeira, tentando a impedir de se esconder.
"MÃE, POR FAVOR! MÃE!"
"ABRE ESSA PORRA!"
Com muito custo, ela consegue trancar a porta e cai ao chão ao concluir a ação.
"HANABI! ABRE ESSA PORRA! SUA MALDITA!"
O coração da jovem Hanabi batia frenético no peito. Absurdamente assustada com o comportamento da irmã mais velha. Os berros de Hinata atravessavam as frestas da porta. O som de seus chutes e pontapés balançavam a madeira, amedrontando mais Hanabi, que temia que a porta fosse derrubada pela fúria incessante de sua irmã.
A maçaneta treme e um baque surge do outro lado. Hanabi grita pela mãe, se arrastando pelo chão até bater as costas contra a cama.
Nunca em sua vida viu Hinata em um estado de descontrole como esse.
Suas bochechas se encontravam úmidas e a vontade de chorar apenas aumentava enquanto ouvia os gritos da irmã, acompanhados pelos golpes contra sua porta.
"Hinata!"
A primogênita ignora o grito da mãe, que subia as escadas.
"O que tá fazendo?"
"MANDA A HANABI ABRIR ESSA PORTA!"
Hera percebe o estado de fúria da filha e se adianta em afastá-la.
"Que droga você ta fazendo, garota? Para com isso!"
"Ela entrou no meu quarto e mexeu nas minhas coisas. ABRE ESSA MALDITA PORTA HANABI!"
"Para com isso. Você deve estar assustando ela, Hinata!"
"ME SOLTA!"
Hinata empurra a mãe quando a mesma tenta a afastar da porta. As duas entram em uma luta, onde Hera tenta segurar os braços da filha, mas sem sucesso. Hinata se debate, jogando as pernas para o alto e se apoiando na porta, o que faz seu peso ser jogado contra a mãe, que cai no chão.
Atordoada por bater a cabeça, Hera se afasta para verificar se não adquiriu algum corte.
Com os olhos desacreditados, ela observa a filha mais velha empurrar a porta com os ombros e pés, tentando desesperadamente invadir o quarto da irmã.
"Hinata, pare com isso! PARE AGORA MESMO!"
"SAI DE PERTO DE MIM!"
A raiva direcionada à mãe a surpreende. Estagnada no lugar, Hera não tem tempo de reação quando a porta é finalmente aberta.
"NÃO!"
Ao se arrastar pelo chão, caindo enquanto tenta se levantar, Hera invade o quarto e encontra Hinata em cima da irmã.
As cordas vocais de Hanabi nunca arderam tanto devido ao grito que soltou quando seus olhos viram a porta ser escancarada diante de si.
Ela não conseguiu reagir quando as mãos da irmã voaram para cima dela.
"Onde você os colocou? Me devolve agora, sua pirralha! NÃO MEXA NAS MINHAS COISAS!"
"Hinata, saia de perto dela! Saia agora!"
A confusão presente representava o pior lado de Hinata. A pequena parte que aos poucos, ia se deteriorando dentro dela, seja devido ao aumento no consumo das drogas, ou dos traumas que ela se recusava a enfrentar.
Pouco a pouco, ela ia se perdendo na escuridão a qual se entregava lentamente. Se afundando num poço de miséria sem fim, que não teria um caminho de volta.
A luz no fim do túnel ia diminuindo cada vez mais, a afastando de qualquer chance de redenção, de recomeço.
O pouco que sobrava da humanidade de Hinata estava guardado com Hanabi, sua irmã caçula, a única pessoa com quem genuinamente se importava. A humanidade que ela acabou de assassinar. Quando deixou que sua crise de abstinência a cegasse a ponto de acreditar que sua irmã roubara suas pílulas. A ponto de coagi-la e agredi-la como se ela merecesse um castigo por invadir seu quarto.
Uma situação completamente absurda.
Sensatez não era o que rondava sua mente. Muito menos a lógica. Seus sentidos gritavam por alívio e a seca que a consumia dominava cada célula do seu corpo.
Ela gritava com Hanabi, que chorava em pavor abaixo dela, usando as mãos para tentar afastar a irmã que puxava suas roupas tentando procurar o que não estava lá.
Hera não conseguia separar as duas. Hinata parecia possuir uma força descomunal, ignorando toda maldição que causava.
Ela se desvincilhava da mãe e continuava procurando pelas vestes de Hanabi o conteúdo que necessitava.
O apelo desesperado de Hera ecoava, junto do choro de sua caçula.
"ESTÁ MACHUCANDO ELA, SUA CRETINA! SOLTE SUA IRMÃ AGORA MESMO! SOLTE, HINATA!"
No momento que Hera puxava o torso de Hinata, sentiu seu próprio braço ser agarrado e ser afastada das duas.
Seus olhos confusos notaram um corpo masculino em cima de Hinata, braços a rodearam exatamente como ela estava fazendo, mas com o devido sucesso, conseguindo a tirar de cima da caçula.
Hinata foi puxada e, suspensa no ar, se debatia.
Naruto nada disse enquanto a arrastava para fora do quarto, para longe da irmã.
Hera o chama, mas ele apenas sai com Hinata, que contestava em seus braços.
A arrastando pelo corredor, ele vira para direita para sair do campo de visão de Hera. Hinata é depositada no chão, mas antes que possa se levantar, o corpo masculino paira sobre o dela. As mãos de Naruto agarram seus cabelos da nuca e agarra suas bochechas.
Hinata o encara pela primeira vez, eufórica e neutralizada.
"Que porra deu em você?" A voz dele era controlada pela raiva. Seus olhos azuis a fulminavam enquanto analisavam o estado deplorável dela. "Por que esta atacando sua própria irmã? Perdeu completamente o juízo?"
"Ela… meu quarto! Ela mexeu no meu quarto e pegou-
"Pegou o quê?"
"Ela pegou o que não devia! Ela entrou no meu quarto e pegou-
"Pegou as porcarias que você usa?" Naruto a corta, tentando não gritar. "Você enlouqueceu?"
Hinata sente seu cabelo ser cruelmente puxado, machucando seu couro cabeludo.
"Eu vi ela saindo do meu quarto e não está mais lá. Ela pegou para me dedurar-
"Fui eu que peguei, Hinata! Eu que peguei!"
A confusão estampada dura pouco na expressão dela, que logo é substituída por raiva.
"Por que você-
"Porque você é uma viciada do caralho e eu estou apenas tentando diminuir os danos. Fui eu que entrei no seu quarto e os encontrei. Eu os peguei. Não foi Hanabi! Como você pode pensar que ela faria isso?"
"Que direito você tem de pegar o que é meu? Você não manda em mim. Você não é meu pai, porra! Por que você fez isso?"
"Cale essa boca e se controla!"
"Você não tem direito NENHUM sobre mim!" Ela grita, o contrariando. "Você não tinha o direito de mexer nas minhas coisas. Seu maldito!"
Para fazê-la diminuir o tom ou se calar de vez, Naruto bate a cabeça dela contra o assoalho, usando força moderada o suficiente.
"Fecha essa maldita boca! Olha o vexame que você esta causando por um bocado de pílulas! Você estava atacando a sua própria irmã. Você tem noção disso? Você sequer tem noção disso?"
Hinata funga, longe de estar controlada.
"Me devolve! Naruto, me devolve! Você não tem esse direito, você não manda em mim. VOCÊ NÃO É MEU PAI!"
"Se você não calar essa maldita boca agora, eu juro que convenço sua mãe a te internar amanhã mesmo. Você está me entendendo?"
A ameaça pareceu fazer efeito. Hinata vacilou.
"Se você não se recompor agora mesmo, eu enfio você no carro e te deixo no primeiro centro de reabilitação que eu ver."
"Você não faria isso…"
"Faria. Você pode acreditar que eu faria."
"Se fizer isso, eu conto tudo para Hera!"
Naruto ri com desdém.
"Experimente. Se você contar para sua mãe, eu nego tudo e você ainda vai sair como louca. É a minha palavra contra a de uma drogada. Em quem você acha que sua mãe acreditaria?"
Ela sente o ar diminuir em seus pulmões. A mão de Naruto em seu pescoço ficou sufocante.
"Naruto, por fav-
"Fecha essa maldita boca e VÊ SE APRENDE A SE COMPORTAR FEITO GENTE!" Ele grita contra seu rosto pequeno.
O turbilhão que resume Hinata decide revidar.
"Quem você pensa que é, Naruto? Só porque você fode a minha mãe se acha no direito de mandar nas filhas delas?"
"Cala a boca, Hinata."
"Vai bancar o paizão agora? O bonzão? Quer impressionar minha mãe? Porque não conta para ela que você adora enfiar seu pau em mim também-
"Eu to te avisando, Hinata. Cala essa boca!"
"Hinata!"
Naruto se afasta da enteada ao ouvir Hera, se levantando do chão.
"Como você teve coragem de agredir a sua própria irmã?"
Hera tinha o rosto banhado em lágrimas e raiva nos olhos. Ela se aproximou de Hinata que se levantava.
"Sua maldita! Eu nunca vou te perdoar por isso! Onde você estava com a cabeça? Ela é só uma criança!"
Hinata fica de pé e apenas a observa na ponta do corredor. Tudo que ela solta é um pouco de fôlego para tirar a franja longa do rosto. Impassível.
"Você vai pagar por isso, sua cretina!"
A passos largos, Hera passa por Naruto para desferir um tapa contra a bochecha esquerda de Hinata.
"Hera!" Naruto se adianta para puxá-la pelo braço e afastá-la.
"Você NUNCA MAIS encoste na sua irmã, ouviu bem? Sua maluca! Você nunca mais se aproxime dela, vagabunda! Se a machucar de novo, eu juro por Deus que te dou uma surra que você nunca mais vai esquecer."
Ao contrário da reação que esperava, com a mão na bochecha ferida, Hinata acha irônico a ameaça e acaba deixando uma risada escapar.
Seu olhar passa rapidamente por Naruto antes de soltar. "Acho que essa abordagem não faria tanto efeito."
Incrédula pela falta de arrependimento, Hera avança na filha novamente, mas é impedida por Naruto.
"Hera, por favor. Não faz isso. Você precisa se acalmar. Vocês duas!"
"Como você consegue ser tao podre, garota? O que aconteceu com você para ter se tornado isso? Eu não entendo onde foi que eu tanto errei para ter conseguido uma filha ordinária feito você!"
"Ah, você não sabe? Por que não pergunta para o papai?"
Hera apenas a encara.
"Pois é, ele teria a resposta se tivesse aqui, vendo a mãe de merda que você é. Vendo o quão incompetente você é para cuidar das filhas na ausência de uma figura paterna. Se eu sou essa porra, a culpa é toda sua."
"Eu não criei uma vagabunda cretina que nem você."
"Não criou, foi o que você conseguiu na ausência como mãe." Hinata a responde. "Foi o resultado da sua negligência, da sua incompetência, da sua falta de tato com suas filhas."
"É tao fácil me culpar pelas suas merdas, não é, Hinata? Tao fácil fazer tudo que bem entender e jogar as consequências nos ombros alheios. Se isentando de toda merda que você faz. Pelo menos assuma a podridão que você é. Seja mulher o suficiente para admitir o ser humano podre que você é!"
"Sou filha da minha mãe." Ela sorri amplamente. "Cretina e uma vagabunda imunda exatamente como ela."
"Sua maldita!" Hera tenta sair do aperto de Naruto e Hinata aproxima o rosto do dela.
"Sou mesmo! Sou mesmo e você também é. Você merece tudo de ruim que acontece com você, Hera. Tudo!" Um sorriso malicioso surge nos lábios de Hinata antes de continuar. "Ah, como eu queria poder esfregar umas coisas na sua cara…"
Seu olhar passa novamente por Naruto, que sente a tensão lhe invadir. Ele sabe as intenções dela, sempre soube. E o momento estava perfeitamente propício para ela se revelar para a mãe, expondo sua relação com Naruto também.
Ele tenta chamar sua atenção.
"Hinata…"
"Como eu queria que você soubesse o quanto a sua filha é uma vadia dissimulada. Uma cretina safada e sem escrúpulos. Queria que você soubesse o que eu sou capaz de fazer só para você pagar por tudo que você NÃO prestou para fazer durante todos esses anos."
"Hinata, pare!"
"Como eu iria adorar ver a sua cara se soubesse o que eu apronto bem debaixo do seu nariz…"
"HINATA, JÁ CHEGA!"
Naruto afasta Hera a soltando para ir até a enteada. Em tom de ameaça, ele levanta o dedo contra o rosto dela.
"Você está passando dos limites. Se você abrir essa boca mais uma vez, você vai se arrepender!"
Ao se virar, ele tem que barrar Hera novamente.
"SUA CRETINA! Você merecia mesmo uma bela surra para ver se aprende a ser gente!"
"Me bate! Vem aqui me bater! Eu adoro levar uns tapas! Tem alguém aqui que sabe muito bem disso."
"CALE A BOCA, HINATA!" Naruto grita pela última vez e se vira para Hera.
"O que foi que você disse?"
"Hera! Me escuta! Saia daqui, tire Hanabi daqui. Entendeu?" Os olhos dela vacilam para Naruto. Tentando tirar sua atenção de Hinata. "Esquece ela, Hera. Olha para mim. Hanabi precisa de você agora. Ela não precisa de outra briga. Tira ela daqui. Leva ela para um lugar tranquilo e acalme ela."
Hinata se movimentava logo atrás, inquieta. Hora encarando a mãe.
"Olhe para mim." Naruto puxa seu rosto. "Tire Hanabi daqui. Ela tá assustada e precisa da mãe. Faz o que eu tô pedindo, por favor. Cuide dela."
Naruto tenta a todo custo desviar a atenção de Hera para Hanabi, temendo que Hinata acabe falando mais do que devia.
Confusa e com a mente fervilhando, Hera decide pensar na caçula. A mais afetada por toda essa situação.
"Vai!" Naruto a conduz, a afastando de Hinata. "Tire ela daqui, leve ela e converse com ela."
Relutante, Hera acena. Seu olhar endurece para Hinata antes de se virar.
"Você vai pagar por isso, Hinata."
A jovem se sente irritada, afrontada. Ela se aproxima quando a mãe some de sua vista, proferindo gritos contra os ouvidos de Naruto que a impediam de sair do lugar.
"Eu não tenho medo de você! Você nunca prestou para nada, acha mesmo que consegue bater de frente comigo?"
Naruto agarra o pescoço de Hinata e a pressiona contra a parede.
"Você já torrou a minha paciência. Chega, Hinata!"
Assim que escuta a porta de entrada bater, a arrastando pela nuca, Naruto desce as escadas com Hinata.
Tentando se soltar dele, ela tenta estancar no lugar.
"O que tá fazendo? Me solta!"
Com um puxão de cabelo que a faz gritar, ela volta a andar, enraivecida por estar nas posses de Naruto.
"Você já aprontou demais por hoje. Chega dessa merda."
"O que você ta fazendo? Me solta, Naruto!"
Ele somente a solta quando a joga contra o sofá.
"Você estava pensando em abrir o bico para sua mãe?"
Não havia absolutamente nada de engraçado acontecendo, mas Hinata não segurou o ímpeto de rir naquele momento.
"Ficou com medinho, foi? De ser descoberto pela mamãe? Imagina só se a sua querida Hera descobre que você chifra ela comigo!"
"Você não brinque comigo, Hinata! Está ficando maluca, porra? O que caralhos deu em você?"
"Eu só queria provocar ela." Ela continua ruindo, mesmo Naruto a segurando pelos braços no sofá, a balançando mediante ao nervosismo e irritação. "Eu não ia dizer nada, só estava nervosa."
"Não era o que parecia!"
"Eu não ia falar nada, eu só tava a provocando."
"E você acha que isso não levantaria suspeitas nela? Você realmente está brincando comigo, Hinata."
"Me desculpa! Eu fiquei irritada, ela me tira do sério. Eu não iria falar nada, eu só estava brincando."
"Você passa dos limites muitas vezes se se importar com o que vai causar ao redor. Na sua cabeça você sempre vai sair impune, não é?"
"Naruto, eu não ia falar nada, eu juro!"
"Você assustou Hanabi, discutiu com sua mãe e quase contou sobre nós. Tudo isso porque está morrendo de vontade de ficar chapada de novo. Tudo isso por causa daquelas porras de pacotes."
"Que se você não tivesse tirado de mim, nada disso teria acontecido!"
Naruto a observa, cansado. Diante de uma situação onde tudo poderia ruir, Hinata se preocupava apenas com seu próprio vício. Ela era exatamente como uma bomba relógio, pronta para explodir a qualquer momento. Causando danos que seriam irreversíveis na vida de todos ao redor, principalmente Naruto.
Exasperado das atitudes egoístas dela, ele decide puni-la.
"Chega. Vem aqui."
O braço dela é agarrado e Hinata luta para não ser arrastada de novo.
"Não, Naruto. Espera! Eu já te disse que não ia falar nada, por favor!"
Usando a força que possuia, ao abrir a porta do quarto de Hinata, a mesma é jogada contra o chão. Hinata percebe Naruto remover a chave do lado de dentro e a encarar com uma expressão que não lhe agrada.
"O que vai fazer? Naruto!"
"Já que você gosta de agir como uma criança imprudente e delinquente, você vai ser tratada como uma." Ele encaixa a chave do lado de fora. "Use esse tempo para pensar no que você causou hoje e no que poderia ter causado se tivesse aberto essa maldita boca por mais alguns segundos! Se você pensa que pode me fazer de idiota, você ta muito enganada, Hinata! Você vai aprender a ficar pianinho quando eu mandar!"
A porta é fechada em seguida e instantaneamente trancada.
"Não! Naruto!" Hinata tenta abrir a porta em vão. Não suportando a ideia de ficar trancada sozinha com seus próprios pensamentos e receios.
"Não faz isso, espera! Me desculpa! Me desculpa! Eu não ia falar nada! Eu juro! Não me deixa aqui Naruto por favor! Não faz isso!"
"Quem sabe assim você não cala essa porra de boca."
Ele diz do outro lado. Hinata entra em desespero.
"Não faz isso comigo! VOCÊ NÃO PODE FAZER ISSO! Abre essa porta! Naruto! Não faz isso! Não me tranca aqui dentro! Por favor!"
"Você que pediu por isso, Hinata."
"NÃO! Mas que…"
Hinata começa ter a sensação de que o quarto não tinha ar o suficiente para ela respirar. A vertigem a atinge e tudo parece rodar. O fato da porta estar trancada a assombra e o desespero lhe toma conta.
Ela conhece essa sensação. Sabe o que é capaz de fazer com ela.
Sentada ao lado da porta, ela grita de novo. Seus punhos agridem o material, mas nada parece adiantar.
Ela fecha os olhos tentando se recompor, mas é tarde demais para isso. Ela acabou de ser jogada no limbo e sabia que dali não sairia.
Uma angústia cresce passando por sua bile. A imagem de um pequeno objeto brilhante surge em sua mente. Ela o viu de relance enquanto procurava os pacotes.
Um soluço escapa.
Não percebeu quando a raiva, transformada em dor, se apresentou em lágrimas.
"Não, não, não!"
Ela se recusa a mover a cabeça, descansando a testa na porta. Os punhos fechados fortemente fazem as unhas machucarem sua pele.
"NARUTO!"
Ela chama de novo, em um tom desesperado, de súplica, de ajuda.
O medo a percorre porque as paredes parecem diminuir e o ar fica cada vez mais escasso. Ela bate na porta quando a imagem do objeto retorna.
"NARUTO! Você… você não pode me deixar aqui. Por favor, não faz isso. Me tira daqui. Tem… tem… alguma coisa…"
Ela balança a cabeça.
"Naruto, por favor. Não me deixa aqui sozinha. Deixa eu sair. Eu não posso ficar aqui. não assim…"
Ela bate na porta e suspira alto. Sua mente parece estar ligada na mais alta voltagem, e com isso seu corpo parece prestes a sucumbir.
"Naruto!" Ela tenta de novo. "Tem… tem… escondidas. Estão escondidas, mas eu sei… onde estão. Eu não posso… por favor, NÃO ME DEIXA AQUI!"
Ela se afasta da porta para chutá-la, mas no segundo seguinte o vulto da figura masculina invade o quarto e logo ela esta sob os domínios de seu padrasto de novo.
Seus olhos azuis a fitam com ferocidade.
"Eu só vou dizer uma vez." Ele avisa, entredentes, a pressionando contra o chão. "Se eu ver uma gota de sangue ou qualquer corte em você. Eu sumo da sua vida e nunca mais apareço."
Os olhos dela ficam embaçados, pois acreditava nas palavras dele. A presença dele estava supressora, ameaçadora. E ela não queria que ele fosse embora, queria que ele a salvasse.
"Naruto, por favor-
"Um único corte que eu encontrar, nós dois, você e eu, acabou, entendeu?"
"Você não faria isso comigo-
"É isso que você quer?"
"Não! Não! Por favor, não faz isso…"
"Então, cale essa boca e me obedeça! Essa é a sua chance de provar algo para mim. Eu sumo antes que você possa abrir a boca para sua mãe." As bochechas dela são esmagadas pelos dedos raivosos dele. "Então trate de ser a porra de uma boa garota!"
E dito isso, a porta se fecha novamente. Ele a tranca e a sombra de sua silhueta se afasta da porta.
A garganta de Hinata começa a doer devido ao choro que ameaça invadir.
Um bico trêmulo e involuntário surge em seus lábios ao passo que o canto de seus olhos se desmancham em lágrimas.
Toda raiva, frustração, abstinência estavam dando lugar a novos sentimentos. Ou melhor, se misturando a eles. Medo, ansiedade, angustia crescente e pavor.
Ela não queria perder Naruto. Não podia perdê-lo.
Mas Hinata sabia que seus demônios sempre foram maiores do que ela. Sempre venciam suas batalhas.
Em qualquer oportunidade onde a fragilidade e vulnerabilidade a atingisse, ela perderia. Há tempos que não tinha mais forças para lutar. Estava cansada de ser consumida pelas trevas, mas não queria mais lutar.
Talvez ali ela pertencesse. Talvez esse fosse seu destino.
Viver para quê?
Se sua vida era miserável e vazia. Sem um propósito ou almejos.
A coceira retornou e logo estava suando frio novamente. Como o esperado, o quarto diminuiu de tamanho. As paredes estavam se unindo, se aproximando dela cada vez mais.
O arfar de um peito eufórico parecia não ser o suficiente para inalar mais ar. O oxigênio não entrava.
As pontas dos dedos gélidos formigavam. Sua pele inteira coçava. Hinata se encolheu no chão, se deitando de lado contra o carpete e juntando os joelhos ao peito. Fechou firmemente os olhos. Estava sentindo se aproximar cada vez mais.
Ela cansou de gritar para Naruto, de clamar por ele.
Ninguém a salvaria de si mesma.
Aquela sensação sufocante que parecia lhe apertar a garganta.
Prendeu os dedos firmemente ao redor das pernas, cravando as unhas na pele. Se controlando.
Não abra os olhos. Não abra os olhos.
Já vai passar. Apenas espere. Não se mexa.
A imagem do objeto cortante retorna para sua mente inquieta. Ela choraminga. Sabia onde estava.
Não abra os olhos. Não abra os olhos.
Eu vou morrer aqui. Não consigo respirar.
Quando vai passar? Quando vai acabar?
Você não é forte. Sabe disso.
As unhas curtas inconsistentemente lhe arranham o pulso. A dor a distrai e ela abre os olhos.
A primeira coisa que entra em seu campo de visão é o objeto metálico materializado há alguns metros à frente.
Jogado embaixo da cama. Brilhando.
O olhar dela se demora sobre ele, mas antes que ela possa o alcançar, outra coisa reluz bem ao lado. Lentamente, os dois pequenos pontos de luz embaixo da cama criam forma e Hinata se pega encarando o que pareciam ser dois olhos. Que friamente a fitavam de volta.
Olhos sem pupilas, como os seus.
Uma lembrança renasce dos confins de sua memória deturpada e Hinata volta no tempo. Para uma noite especifica, onde ela, aos seus 5 anos, se escondera embaixo daquela mesma cama, porque acreditou ter visto o bicho-papão pela primeira vez.
Seu corpo pequeno e frágil, com pés descalços, corria pelos corredores mesmo sob os protestos da mãe. O cabelo da sua boneca voava e o efeito a agradava tanto, porque sincronizava com a capa que amarrou em seu pescoço. Suas risadas preenchiam o ambiente enquanto tentava fazer a ilusão de que sua boneca era uma super-heroína que estava voando sobre um céu limpo. Aproveitando o pequeno momento de paz sem precisar atender algum pedido de socorro vindo da cidade do crime logo abaixo, a mesma que ela deixou sobre o carpete da sala. Montado com os inúmeros legos espalhados pelo chão.
"Hinata, pare de correr, querida! Suas peças estão todas espalhadas. Pode tropeçar e se machucar!"
Hera suspira ao chamar a atenção dela pela quinta vez. A dor nas costas parece aumentar a medida que sua barriga só cresce.
"Hiashi, por favor!"
"Estou indo!"
Com um sorriso no rosto, ele bloqueia o corredor com os braços abertos. Hinata corre em direção ao pai e se joga nos braços dele.
"Te peguei, danadinha!"
A risada infantil aquece o coração de seu pai, que a puxa para o sofá.
"Quando a mamãe te pede para parar de correr, você tem que obedecer, meu amor."
"Desculpa, mamãe! Olha papai, a Vanessa é a heroína da cidade. Ela tava só passeando."
"Claro, meu bem. Ela é linda. Você cuida muito bem das suas bonecas."
Da cozinha, Hera avisa que o jantar está pronto. Após desfrutarem de um jantar em família, Hiashi diz à Hinata que estava na hora de dormir.
Com protestos, ela pede para ficar na sala mais um pouco.
"Eu prometo que vou ficar quietinha! Quero ver se a Hanabi vai chutar hoje!"
Hera lhe envia um sorriso e acaricia a franja. "Tudo bem, querida."
O casal vai para o sofá e Hinata se deita sobre eles. A cabeça no colo da mãe e as pernas no do pai. Seu ouvidinho cola na barriga de Hera na expectativa de sentir os movimentos da irmã.
"Ela esteve muito quietinha hoje." Hera lhe diz, acariciando os fios curtos de Hinata.
"Ela gosta de música!" Hinata a lembra. Hanabi sempre se mexia quando alguma música estava tocando.
"Gosta mesmo."
"Podemos colocar um pouco." Hiashi apanha o controle da TV e coloca em um canal de entretenimento musical.
Hinata se agita, ansiosa para acordar a irmã na pequena bolha que a guardava.
"Não deixe muito alto."
"Esse volume está bom."
O afago da mãe em seus cabelos acabou a deixando sonolenta. Quando Hanabi deu o primeiro chute, a irmã mais velha já cochilava no colo dos pais.
Acomodados no sofá, o casal decidiu assistir algo antes de se deitar. Em certo momento, a pequena Hinata se remexeu no colo, virando o torso para a TV. Um comercial de filme de terror passava no momento que ela abriu brevemente os olhos. Assustada, pediu para o pai a levar para a cama.
No ombro de Hiashi descansava a bochecha rechonchuda da filha. Suas pequenas pálpebras pesavam sobre seus olhos perolados, o maior orgulho de Hinata, pois a fazia muito parecida com o pai.
Por isso ele a chamava de pearl.
Ela era a sua pequena e doce pearl.
Bocejando, ela sente o edredom ser puxado sobre seu corpo e o beijo de boa noite do pai descansar em sua têmpora. Os longos dedos dele acariciam o couro cabeludo dela por um tempo antes de deixar o quarto.
Era pra ter sido uma boa noite de sono como qualquer outra. Mas os sonhos da pequena Hinata foram invadidos pela imagem que vira na televisão. Acordou assustada, arregalando os olhos na escuridão.
A imagem insistia em lhe assombrar e por isso, o medo a invadiu quando a penumbra do quarto pareceu a coagir.
Enfiada embaixo do edredom, ela se recusa a se mover. As duas perolas que representavam seus olhos se moviam pelo quarto, incomodados com as sombras dos móveis que pareciam se mover devido à pequena luz da lua que invadia a janela.
Ela se encolhe com medo quando escuta um barulho. Seu pescoço se estica para fitar o pé da cama. Outro barulho invade seus ouvidos e Hinata se senta.
Ela pisca com olhos assustados para o escuro, não sabendo exatamente se deveria estar procurando a origem do som.
Seus dedos se agarram na borda do edredom e seu corpo sobressalta quando algo cai de cima da cômoda recostada na parede.
Ela chama pelo pai e se enfia embaixo da cama. Foi no primeiro refúgio que pensou.
Ficaria protegida do monstro que estava a assustando até seu salvador chegar.
Sentindo vontade de chorar, sua atenção é atraída para algo cintilando no chão do quarto, mais ao pé da cama.
Sua curiosidade a impede de desviar os olhos e quando se dá conta, outro objeto parece reluzir igualmente, bem próximo ao primeiro.
Hinata não percebe que o que cintilava eram os olhos da boneca que caiu. Sua silhueta mal cria forma devido à baixa luminosidade, mas seus olhos brilham imensamente, encarando Hinata de volta. A fazendo acreditar que o bicho-papão estava em seu quarto.
Ela grita pelo seu pai novamente e começa a chorar ao mesmo tempo que seu corpo começa a tremer, em pavor.
Sua garganta dói ao gritar por ele e agora seu choro pode ser ouvido do corredor.
O monstro nunca deixava de a encarar, a assustando, a amedrontando.
Quando a porta é aberta, a luz do corredor ilumina a boneca caída ao chão.
"Hinata?"
A criança apavorada se arrasta pelo chão e sai debaixo da cama. Ela observa seu salvador parado na porta. Com bochechas vermelhas e olhos marejados, ela abre os braços esperando que ele a apanhe.
Seu salvador se ajoelha diante dela e logo ela é amparada por seus braços protetores.
Tudo que a envolve é o conforto de finalmente estar nos braços dele, finalmente protegida, finalmente salva.
Seu rosto afunda contra o peito dele e suas mãos agarram ferozmente sua camisa.
"Não me deixa sozinha!" Ela suplica, soluçando.
Quando a mão dele envolve sua nuca, ela sabe que tudo ficará bem.
A mão grande e hesitante de Naruto afaga os cabelos dela. Seu corpo é esmagado pelos braços dela, enquanto o choro nunca parece cessar.
Atordoado, ele apenas a abraça de volta, sentindo um gosto amargo subir pela sua garganta enquanto ouvia as súplicas de Hinata para não deixá-la.
Era impossível sentir qualquer sentimento rancoroso dela, pois ele nunca a viu tão vulnerável antes. Nunca a viu chorar.
Ele engole em seco, sentindo o gosto amargo do arrependimento por ter sido tão frio. Seu coração afunda no peito e sua expressão fica estrangulada. Havia alguma coisa muito errada naquela relação e Naruto sabia disso.
Ela o abraçava feito uma criança assustada. Chorava como uma. Se agarrava nele como se ele tivesse a salvado de algo terrível.
Ele sussurra palavras de conforto e tenta acalmá-la, antes de poder processar a turbulência de sentimentos que o invadiam diante daquela cena.
Nos braços dele, resumida há anos traumáticos que levaram boa parte do que ela tinha de bom, Hinata busca compreender o bicho-papão que a assombrou anos atrás.
Se afogando em seu próprio mar repleto de falhas, onde as ondas a engoliam uma após a outra, ondas que representavam suas inseguranças, seus medos obscuros, seus anseios e traumas, enquanto deixava a água a engolir, Hinata retornava aos seus 5 anos ingênuos. Num momento em que sua inocência era o que a protegia, era o que a resumia, como aquela pobre e inocente garotinha poderia imaginar que o bicho-papão que a atormentava, era uma sombra do que ela se tornaria. Do seu futuro sombrio e melancólico. Ditado antes mesmo de seu nascimento. Como Hinata poderia imaginar, que o monstro que a amedrontava, era ela mesma.
[...]
22 de abril de 2031.
Hinata se envergonha ao recordar do episódio lamentável que protagonizou na vida de sua irmã. Ela nunca se perdoou pelo que fez.
"Hanabi ficou com medo de mim depois disso. Ela mal me olhava nos olhos. Me evitava a todo custo. Era como se eu fosse o pior dos monstros. O que não era mentira. Foi difícil conseguir o perdão dela. Ele demorou a vir e eu demorei a pedir. Foi um caminho até entender o que fiz."
O rosto da irmã aos 12 anos surge em sua mente e Hinata engole o choro.
"Eu me tornei a pior coisa na vida dela e ela era tudo que eu mais amava, a única coisa que eu amava. Do meu jeito torto e irresponsável, eu tentava a proteger do mundo e de mim mesma. Falhei em tudo." O arrependimento cresce dentro dela. "Eu nunca esqueci o olhar de pavor dela."
"Hanabi entendia o que estava acontecendo com você?"
"Mais ou menos. Acho que minha mãe a alertava sobre mim. Pedia para ela manter distância. Mas não queria dizer com todas as letras que a irmã era uma viciada. Ela era muito nova, não precisava se meter nisso tudo, mas morávamos na mesma casa e ela não era boba. Ela me observava."
"E como sua mãe lidou com você após esse episódio?"
"Ela acabou não lidando, como sempre. Decidiu não o fazer. Ela apenas me ameaçou. Disse que se eu me aproximasse de Hanabi novamente, ela me internaria. A mesma conversa de sempre. Ela me puniu, é claro. Não fazia janta para mais de duas pessoas ou três quando Naruto estava. Deixava minhas roupas fora da máquina de lavar e retirou as chaves reservas que eu tinha. Se eu chegasse em casa após as 22h, ficava do lado de fora."
"Vocês não conversaram?"
"Não existia dialogo entre nós. Ela me evitava e eu evitava ela. Era assim que funcionava. Ela não queria lidar comigo porque o embate a cansava. Eu era muito rebelde. Muito persistente na minha palavra e ela considerava minhas ameaças. Eu dizia que fugiria da clínica, que me jogaria de uma ponte, que a denunciaria para o instituto de menores para que ela perdesse Hanabi."
Hinata nega com a cabeça.
"Ela acreditava em tudo. Não queria pagar para ver, então ela me evitava. E pediu que Hanabi fizesse o mesmo."
"Ela chegou a suspeitar de seu relacionamento com Naruto?"
"Acho que não. Perguntei a ele se ela chegou a questioná-lo sobre algo, mas ele disse que não. Ou ela esqueceu, ou fingiu que não ouviu."
"E você ia mesmo contar a ela?"
"Não, eu não ia. Foram palavras imprudentes, expelidas na hora da raiva. Eu queria mesmo que ela soubesse, queria que aquilo a destruísse, mas eu não ia contar. Contar significava perder Naruto e não era isso que eu queria. Precisava que ele a abandonasse para ficar somente comigo."
"Você ele continuaram juntos, então? Mesmo após o tratamento que ele lhe deu em um momento que a deixou extremamente fragilizada."
Hinata suspira e encolhe os ombros.
"Sim… continuamos. Como eu disse, eu estava muito apegada a ele, emocionalmente. Não deixava ele se afastar nem se ele quisesse. Sinceramente, eu não sei dizer por que Naruto ainda ficava comigo. Eu o afrontava, o insultava, provocava. Depois me desculpava e o seduzia. Ele perdia a paciência às vezes, mas de alguma maneira sempre acabávamos juntos na cama. Eu sei que ele resistia, mas era tão fraco quanto eu."
"Como era a relação dele com sua mãe?" Ela se prepara para anotar.
"Ela o via como um príncipe, é claro. Ele era atencioso, um homem calmo. Inteligente. Sabia lidar com Hanabi e nunca discutiam sobre nada. Olhando de longe, Naruto era o par ideal. O cara perfeito. Ela pedia com jeito para ele ficar e ele ficava. Se ela estava cansada, ele acariciava os cabelos dela e a envolvia em um abraço de urso. Ele sorria e dizia palavras gentis. Ela se derretia por ele. Ela gostava dele."
Hinata fica pensativa.
"Era como encarar duas pessoas diferentes, mas não que de fato fossem diferentes. Naruto era realmente carinhoso e gentil. Ele era para minha mãe o companheiro que ela precisava e para mim, o amante que eu precisava."
Ela ri, sem humor.
"Como eu disse, o par ideal."
Ela balança o rosto, com as sobrancelhas unidas de novo.
"Acho que se eu não tivesse me envolvido entre eles, minha mãe teria uma chance real de ser feliz com ele. Era o que ela queria. Ser feliz." O pensamento já lhe ocorreu várias vezes.
"Mas e Naruto? Acredita que ele gostava de sua mãe de forma honesta?"
Hinata a encara.
"Bom, levando em consideração tudo que aconteceu, eu diria que não. Quer dizer, talvez ele tivesse gostado dela mais do que pretendia se eu não fosse a filha repugnante que o seduziu. Talvez ele pudesse realmente amá-la… eu não sei."
Um minuto de silêncio se faz presente enquanto a mulher a sua frente adiciona notas em seu caderno. Ela cruza as pernas as trocando de posição antes de prosseguir.
"Voltando ao episódio que você acabou de relatar, eu diria que esse momento deveria ter sido o fim para vocês. Me surpreende sua mãe não ter tomado uma atitude drástica após te ver atacando a própria irmã e que você não tenha se afastado do homem que não lhe apoiou em seu momento de fragilidade. Você queria que ele fosse, mas ele não era seu salvador. A única pessoa que poderia te salvar, Hinata, era você mesma."
"Tudo que eu tinha me bastava, eu acreditava que merecia tudo aquilo, aquele relacionamento, aquele homem. Eu… eu precisava do Naruto. Eu não tinha nada, nem a mim mesma. Não poderia perdê-lo."
"Já se perguntou por que você precisava dele?" Os olhos dela parecem analisar Hinata.
Hinata deu de ombros.
"Eu era carente de atenção. Ele era a única coisa que de certa forma eu tinha nas mãos. Não queria perder isso."
"Você já parou para refletir no quanto a ausência do seu pai afetou a sua percepção de seus relacionamentos?"
Os olhos confusos de Hinata se voltam para ela.
"A perda precoce de seu pai. A maneira como aconteceu, sendo você a encontrá-lo, sabendo que a ida foi escolha dele. Tudo isso contribuiu para que o seu inconsciente buscasse a figura paterna que tanto amou em um novo homem, em Naruto."
"Como assim?"
"A ausência ou a falta de amor por parte dos pais, no seu caso de forma física que foi a perda, pode deixar lacunas emocionais significativas que marcam a pessoa ao longo da vida. Essas lacunas não são apenas "sentimentos de saudade" ou "vazio", mas aspectos psíquicos profundos que afetam como nos relacionamos com o mundo e com os outros."
"Em termos psicanalíticos, essa perda precoce pode resultar em uma falta emocional que a pessoa tenta preencher de maneiras diversas, sendo uma delas a busca por relações que, paradoxalmente, poderiam replicar a dinâmica de uma ausência ou de um relacionamento difícil. Ao se submeter a relacionamentos abusivos, pode haver uma tentativa inconsciente de reviver, dominar ou resolver a falta de uma figura paterna, em uma tentativa de "reparação" ou "substituição" do pai perdido."
O som da caneta dela anotando algo a mais na ficha interrompe seu monólogo antes de continuar.
"Analisando o seu caso, baseado nas informações que me apresentou sobre Naruto até agora, seja na forma como ele tratava tanto você quanto sua mãe, eu diria que estaríamos sob a ótica de dois conceitos: falta e substituição. E também o desejo de reparação, uma resolução do passado."
"E o que isso significa?"
"No conceito de falta e substituição, a perda do pai pode gerar uma sensação de "falta" que a pessoa tenta preencher de diversas formas, incluindo em relacionamentos amorosos. Muitas vezes, a busca por um parceiro que reproduza características da ausência, como abuso emocional ou negligência, pode ser uma maneira inconsciente de lidar com a dor da perda. A pessoa pode estar, inconscientemente, tentando "substituir" o pai com uma figura que é carente e até abusiva, porque, de alguma forma, isso ainda se conecta ao que foi vivido na infância, mesmo que de maneira destrutiva."
"Agora, sob a perspectiva do relacionamento destrutivo que você tinha com Naruto, eu diria que existe o desejo de reparação. Em seus momentos de vulnerabilidade era ele quem você buscava. O que você chamou de seu salvador. Lugar que antes era ocupado por seu pai. Às vezes, a pessoa pode inconscientemente desejar criar uma relação em que, desta vez, consiga o afeto e o reconhecimento que não obteve na ausência dos pais. Isso pode levar a comportamentos de sacrifício ou de subordinação, na esperança de que, ao agradar ao parceiro, ela consiga, de alguma forma, reparar o vínculo parental não satisfeito, já que o seu foi brutalmente arrancado de você. A ideia de perder Naruto a machucava, porque você já havia perdido seu pai. Então você se submetia às vontades e ameaças dele para poder tê-lo por perto e suprimir esse vazio deixado em seu peito."
A análise de seu relacionamento com Naruto não a agradou. Ela esperava ouvir algo do tipo, mas isso apenas tornou o relacionamento pior do que já era.
"Mas isso quer dizer… basicamente, está dizendo que eu procurava me deitar… com meu pai enquanto estava com Naruto?"
"Em Naruto, inconscientemente, você buscava uma maneira de suprimir a falta que seu pai fazia. De certa forma, por ele ser seu padrasto, ele acabou também se encaixando em uma figura paterna. Por mais que você se recusasse a enxergá-lo dessa maneira. Em suas palavras, ele era bom para sua mãe, um parceiro carinhoso, educado, paciente e envolvido. Era bom com sua irmã, a auxiliava quando necessário. Hanabi confiava nele. Ele era parecido com seu pai. Dentro daquela casa, ele ocupava o lugar que foi de seu pai. Isso pode também ter contribuído para sua sede de vingança, no desejo de tirá-lo de Hera."
"Você a culpava pela perda do pai, então aos seus olhos, ela não merecia amar outra pessoa. Se ela foi capaz de arrancar seu pai de você, cabia a você fazer o mesmo. E nessa tentativa distorcida de interesses, ao tirar Naruto dos braços de sua mãe, você também acreditava estar salvando seu pai da mesma. Algo que sente que poderia ter feito. Ou seja, uma reparação do seu passado."
O estômago de Hinata se embrulha e sua expressão era de repulsa. Nunca imaginou que sua relação com Naruto estava interligada ao amor que teve pelo pai. À falta que ele fazia. A perspectiva dessa situação a enojava, principalmente porque fazia sentido.
"Você não precisa se culpar por isso, Hinata. Isso funciona exatamente como um mecanismo de defesa e acontece de forma completamente inconsciente. Isso é gerado desde o berço de nosso nascimento, quando os primeiros vínculos são formados nos primeiros anos de vida, seja com nossos pais ou cuidadores. Esse vínculo serve de base para todos os relacionamentos futuros. Eles são fundamentais para o desenvolvimento emocional, afetivo e psicológico. Eu entendo que pode não lhe agradar ao ver desta maneira, mas acredite, é algo enraizado em todos nós."
Hinata acena ao limpar as lágrimas que desceram por seu rosto. O reboliço que formou em seu estômago parecia perdurar. Não conseguiria dar continuidade na sessão de hoje, mesmo que ainda restasse vinte minutos de terapia.
Talvez as informações precisassem ser devidamente digeridas antes dela continuar os relatos da fase precária de sua vida. Sua terapeuta nem ao menos sabia da história completa, mas já enxergava a situação em sua totalidade. Ela estava certa.
"Podemos encerrar por hoje?" Sua voz sai em trêmula. Hoje teria uma noite difícil. Não dormiria sem os remédios.
"Tem certeza? Ainda restam 20 minutos."
"Acho que não conseguirei continuar. Desculpe doutora."
"Está tudo bem, Hinata. Mas por favor, não quero que se sinta culpada por nada que foi relatado."
"Eu entendo. Eu só… preciso digerir."
A doutora a observa por um tempo. Os olhos de Hinata se perdem em seu colo. Não estava mais confortável para conversar.
"Tudo bem, querida. Retomaremos quando se sentir melhor. Mas por favor, não deixe de comparecer nas sessões futuras, Hinata. Posso lhe dar uma folga de uma ou duas semanas, mas não desejo que passe disso. Não quero que deixe de vir."
Hinata lhe envia um sorriso ameno.
"Não desistirei da terapia, doutora. Eu prometo. Tem sido muito bom, acredite. Está sendo libertador colocar tudo para fora pela primeira vez em muito tempo. Só é estranho ser analisada. Mas é bom entender, mesmo que tardiamente."
"Nunca é tarde para se reencontrar. Se reorientar e recomeçar. Você guardou isso por tanto tempo e estou profundamente orgulhosa de seu progresso. Nem sempre é fácil abrir feridas passadas, mas é sempre necessário. Você tem que se livrar de todo fardo que a prende em seu passado, Hinata. Seja com seu pai ou com Naruto. E tem feito um excelente trabalho até aqui. Quero que saiba disso."
O próximo sorriso de Hinata é verdadeiro. Ela também estava orgulhosa de si mesma.
"Obrigada, por enquanto. Eu voltarei." Ela diz ao se levantar e apanhar sua bolsa, mas ao se dirigir até a porta, seu corpo para ao tocar na maçaneta.
"Sabe… foi um batom."
Sua voz atraí a atenção da doutora, que levanta os olhos da ficha para ela.
"Perdão?"
Hinata vira o rosto minimamente e com um sorriso triste, ela explica antes de deixar a sala.
"Hanabi. Foi isso que ela pegou do meu quarto naquele dia. Um batom."
"E o rico, gritando, disse: Pai Abraão, tem misericórdia de mim e ao menos mande Lázaro molhar a ponta de seu dedo na água e refrescar a minha língua, porque eu estou atormentado nestas chamas."
Lucas 16:24
