Setembro 2009
O verão e as férias estavam chegando ao fim, o que significava que o outono se aproximava e, com ele, a volta às aulas. O céu de Nova Iorque ainda estava intensamente azul, como se segurasse os últimos dias quentes antes das folhas começarem a cair. Todos se preparavam para uma nova etapa.
Charlotte Fitzgerald, depois de um ano tumultuado, havia retornado das férias. Ela havia desaparecido sem dar notícias, mas agora tinha um ano inteiro para provar que havia mudado. Era conhecida como a rainha das festas e das bebedeiras, e uma das mais desejadas de Manhattan. Seu carisma inegável e sua personalidade marcante faziam dela o centro das atenções onde quer que fosse, a própria It Girl. O andar elegante atraía olhares por onde passava no aeroporto; era impossível não notar a presença da loira de sorriso confiante.
Após desembarcar de seu voo vindo da Europa, Charlotte recolheu suas malas no aeroporto. Ela esperava pelos pais, Emma e Ben Fitzgerald — dois advogados renomados e membros da alta sociedade de Manhattan. Como filha única, carregava um grande legado. Quando chegou ao saguão, viu a limusine se aproximando.
— Charlotte — chamou a voz suave de sua mãe. Seus pais andaram até ela, sorrindo com alívio. Sabiam que aquela viagem havia sido importante para a recuperação da filha.
Charlotte os abraçou com força, ainda se sentindo culpada pela maneira como havia saído.
— Também sentimos sua falta, princesa — disse Ben, abraçando-a. — Todos aguardavam o seu retorno.
Charlotte deu um sorriso curto, ainda um pouco nervosa com o retorno. Ela sabia que sua ausência tinha gerado muitas especulações, e Manhattan nunca deixava de ser uma cidade cheia de rumores.
— As fofocas correm soltas por aqui — disse ela, tentando manter o tom leve, mas sua voz carregava uma leve tensão. Ela sabia que teria de enfrentar a curiosidade das pessoas. Não havia contado a quase ninguém o motivo exato de sua viagem, apenas que precisava de um tempo fora. Preferia manter os detalhes no sigilo; afinal, quanto menos as pessoas soubessem, melhor.
— Sempre será assim, querida — respondeu Emma, com um olhar compreensivo, ajudando a filha com suas malas. — As pessoas sempre vão falar, principalmente quando você é tão... visada. Mas o que importa é que você está de volta. Vamos, o motorista já nos espera.
Os três seguiram em direção à limusine estacionada na entrada do aeroporto John F. Kennedy. Charlotte sentiu uma mistura de alívio e ansiedade ao ver o familiar carro preto e reluzente. Enquanto as portas se fechavam e o veículo começava a se mover em direção ao Upper East Side, ela olhava pela janela, observando as ruas movimentadas da cidade que conhecia tão bem.
Nova Iorque sempre a fez sentir viva, como se o brilho das luzes e o movimento incessante trouxessem uma energia única. Mas, dessa vez, ela estava mais consciente da pressão que a cidade impunha. Era como se cada esquina guardasse uma memória de quem ela costumava ser — a garota que todos viam nas festas e eventos, sempre no centro das atenções, mas raramente mostrando quem realmente era.
A limusine cortava as ruas com suavidade enquanto Charlotte continuava perdida em pensamentos. O ano passado tinha sido pesado, e ela sabia que havia chegado ao limite. O afastamento na Europa fora uma necessidade — não apenas para escapar dos olhares julgadores, mas para encontrar um pouco de paz interna, algo que parecia cada vez mais difícil em Manhattan.
— Pai, mãe — Charlotte quebrou o silêncio que se instalara no carro, virando-se para eles com um olhar sincero. — De coração, eu peço desculpas por tudo que fiz nesses últimos dois anos. Sei que essa viagem foi importante para eu me reconectar comigo mesma... Eu... — hesitou por um momento, seus olhos refletindo uma incerteza — Eu realmente quero ser alguém melhor, prometo.
Ela pegou as mãos de ambos, seu gesto carregado de um misto de desespero e esperança. Talvez estivesse buscando confirmação, uma garantia de que não estava sozinha nessa nova fase que se aproximava.
Emma sorriu, seus olhos se enchendo de orgulho ao ver a filha tão vulnerável e, ao mesmo tempo, determinada.
— Nós confiamos em você, meu amor. Sabemos que você está se esforçando, e isso já significa muito para nós. — Ela apertou a mão da filha com ternura, seus olhos transbordando de carinho e compreensão.
Ben, ao lado, inclinou-se para a frente e também apertou a mão de Charlotte, sua expressão firme, mas carinhosa.
— Você sabe que sempre estaremos aqui para você. Sempre. — Ele falou com uma voz firme, mas gentil, querendo deixar claro que ela nunca precisaria carregar esse fardo sozinha. — O importante é que você se sinta bem consigo mesma.
Charlotte sorriu, mas dessa vez seus olhos brilharam com emoção. Era reconfortante saber que, mesmo depois de tudo, seus pais estavam do seu lado. Eles não a julgavam pelos erros do passado, e isso lhe dava forças.
Pouco tempo depois, a limusine entrou na familiar vizinhança do Upper East Side. As elegantes ruas eram ladeadas por árvores e prédios luxuosos, e o bairro exalava exclusividade. Quando o carro parou em frente à imponente cobertura dos Fitzgerald, Charlotte suspirou. Sentia-se em casa, mas ao mesmo tempo sabia que aquela cidade, com toda sua opulência, traria novos desafios.
Enquanto descia do carro, observou a fachada do prédio, o brilho das janelas reluzindo à luz da tarde. Aquele lugar guardava tantas memórias... Algumas boas, outras nem tanto. Ela sabia que estava prestes a iniciar um novo capítulo, mas o que isso significaria de verdade? As festas, os encontros, a vida social que sempre a envolvia — como seria agora, sendo a "nova Charlotte"?
— Bem-vinda de volta, querida — disse Emma, colocando uma mão suave no ombro da filha. — Nova Iorque sentiu sua falta.
Charlotte deu um pequeno sorriso, uma mistura de excitação e apreensão.
— Eu também senti falta daqui. — Mas enquanto olhava para a entrada imponente da casa, sabia que sua maior luta não seria com os outros, mas com ela mesma.
Ela tinha prometido mudar. Agora precisava descobrir como.
...
Não muito longe da casa dos Fitzgerald, morava a família Blanc — uma das mais ricas da elite de Manhattan. Harry, um dos mais renomados empresários da moda em Nova Iorque, e Lucy, uma das maiores estilistas da cidade, eram os donos de um império no ramo. Eles tinham uma única filha, Sophie Blanc — conhecida por sua personalidade forte e sua ambição. Geniosa, ela raramente mostrava seu lado sentimental, reservado apenas aos mais próximos. Charlotte Fitzgerald e Jeremy Gallagher eram seus melhores amigos desde a infância, apesar de Sophie ter um vasto círculo de amigos na ilha de Manhattan.
No espelho, Sophie ajustava o cabelo, verificando cada fio, como se a perfeição exterior pudesse de alguma forma controlar o caos interior. 'Se eu for perfeita por fora, ninguém vai perceber o que está acontecendo aqui dentro', pensou, ajustando a postura e endireitando o colar que sua mãe insistira em comprar. Cada detalhe era uma batalha em sua guerra pessoal.
— Senhorita Sophie — chamou a governanta de confiança da família, Rosemary, enquanto entrava no quarto. — O seu café já está na mesa.
Rosemary Aldridge era mais do que uma simples governanta para os Blanc. Sua presença na casa já durava décadas, e em muitos aspectos, ela se tornara uma figura materna para Sophie. Estava lá desde o nascimento da menina, cuidando dela com a mesma dedicação e amor que uma mãe devotada teria. Ao contrário dos pais de Sophie, que estavam sempre ocupados com o império da moda, Rose era quem estava presente em seus momentos mais difíceis, sempre com uma palavra gentil ou um olhar de compaixão.
Ela havia sido o pilar silencioso durante as brigas constantes de Lucy e Harry, protegendo Sophie das tensões familiares e tentando, em vão, preencher as lacunas emocionais deixadas por seus pais ausentes. Sophie confiava nela como em mais ninguém, embora raramente demonstrasse isso de maneira explícita. Era uma guardiã discreta dos segredos da jovem Blanc, sempre atenta aos sinais de sua dor silenciosa, mas nunca forçando uma conversa.
— Já vou descer — respondeu Sophie, levantando-se preguiçosamente. A noite havia sido mais pesada que o normal. Ela se dirigiu ao banheiro e, ao encarar o espelho, sussurrou: — Preciso emagrecer mais, se quero ser o centro das atenções na escola.
Essa obsessão com a beleza a perseguia há algum tempo, mas ninguém sabia disso, nem mesmo seus amigos mais próximos. O celular começou a vibrar com mensagens. Sophie deu uma olhada rápida antes de entrar no banho. As notícias já estavam se espalhando — todos sabiam sobre o retorno de Charlotte, que havia desaparecido durante o verão. Sentiu um leve incômodo, mas ignorou. Tinha uma festa de volta às aulas para planejar, e nada podia atrapalhar seu foco.
— Esse ano tem que ser perfeito — murmurou, nervosa, mas determinada a não demonstrar fraqueza.
Ela tinha que ser a anfitriã perfeita, a garota que todos admiravam. Mas o que os outros não viam eram as noites sem sono, a constante angústia sobre o que vestir, o medo de ser julgada.
Após o banho, Sophie desceu para tomar café da manhã, já se preparando mentalmente para a tensão familiar. Desde as férias, as brigas entre os pais haviam piorado. Ela respirou fundo ao sentar-se à mesa, pegando apenas algumas frutas e café preto sem açúcar.
— Cuidado para não exagerar, Sophie. Precisa se manter em forma — comentou Lucy, de forma fria.
Sophie suspirou internamente, tentando não demonstrar o desconforto.
— Deixa a menina em paz, Lucy — resmungou Harry, revirando os olhos.
— Estou falando com a minha filha! — rebateu Lucy, impaciente. Sophie, já acostumada, respirou fundo várias vezes enquanto a discussão começava.
Enquanto Lucy e Harry discutiam, Sophie sabia que era o mesmo roteiro de sempre: Lucy apontava as falhas, Harry se defendia, e no fim ninguém saía vencedor.
- Você acha que manter a imagem da nossa família é fácil, Harry? Isso afeta Sophie também! - disse Lucy, jogando olhares frios para a filha, como se suas preocupações com o corpo fossem um reflexo de uma pressão invisível, passada de mãe para filha.
— Vou comer no meu quarto — sussurrou à Rosemary, que assentiu com tristeza. Os pais sequer notaram sua saída.
Quando a governanta assentiu tristemente, Sophie percebeu algo que ela não via em sua mãe há anos: compaixão. Um aperto no peito fez Sophie querer abraçá-la, mas tudo o que conseguiu foi desviar o olhar. Era mais fácil esconder suas emoções, fingir que estava tudo bem, do que admitir que se sentia invisível em sua própria casa.
Mesmo com o status imponente dos Blanc, Rosemary nunca se deixou intimidar. Ela conhecia o verdadeiro peso de carregar a responsabilidade de uma casa como aquela — não era apenas sobre manter as aparências impecáveis, mas também sobre garantir que Sophie, sob todas as camadas de perfeição e pressão, ainda fosse cuidada.
No quarto, Sophie pegou uma caixa de bombons escondida no armário. Trancada em seu quarto, Sophie sentiu o mundo se afastar. O quarto, antes um refúgio, agora parecia uma prisão. Ao pegar a caixa de bombons, seus dedos tremiam, não de fome, mas de medo do que viria depois. Cada bombom que desaparecia em sua boca fazia seu estômago se revirar, mas não parava. Ela sabia que o alívio viria apenas no banheiro, onde o som da água corrente abafaria os ecos de sua vergonha.
Sophie olhou para a caixa com olhos famintos, mas hesitantes. Cada pedaço parecia uma pequena traição ao controle que tentava manter sobre si mesma.
A cada mordida, o prazer durava poucos segundos, logo substituído por uma onda de culpa que apertava o peito como um grilhão. 'Por que eu sou assim?', pensou. 'Por que nunca sou suficiente?'. Imediatamente, corre para o banheiro, pronta para expulsar aquilo de seu corpo. Era um ciclo interminável, uma luta silenciosa que ninguém via.
...
No apartamento dos Gallagher viviam Grayson, um renomado médico e empresário, e Miranda, uma socialite e também empresária. Juntos, eles administravam a empresa de serviços médicos da família. Tinham dois filhos gêmeos, Jeremy e Elizabeth Gallagher.
Jeremy estava em seu quarto, lidando com uma ressaca pesada, aproveitando que seus pais estavam viajando a trabalho. O jovem sabia que seus pais tinham grandes expectativas para ele, assim como tinham para Elizabeth. Mas, ao contrário dela, ele sempre se sentiu sufocado por isso. O peso de ter que ser bem-sucedido como o pai era uma sombra constante, e as festas e bebedeiras eram uma forma de escapar dessa pressão — ao menos temporariamente. Mas a ressaca emocional sempre o alcançava no dia seguinte..
Elizabeth era focada nos próprios estudos, generosa e doce, apesar de ambos compartilharem algumas semelhanças, suas atitudes eram bem opostas.
Ouviu passos no corredor e, em um movimento rápido, escondeu o baseado na gaveta antes que Elizabeth entrasse.
— Que dor de cabeça... — ele resmungou, procurando algum remédio, mas ao abrir a porta, deu de cara com a irmã. — Que susto!
— Imagina quando você olhar sua cara no espelho. — Elizabeth riu, brincando com o espanto do irmão. — Vai tomar um banho, está com cara de quem dormiu no lixão..
— Deixa de ser intrometida — Jeremy respondeu, revirando os olhos. — Ontem você também não estava tão melhor assim.
— Eu sempre estou impecável — ela deu de ombros, mas seu olhar ficou triste por um momento, desviando-se para o fim do corredor. — Mentira. Tenho certeza de que estou muito pior que você.
— O que aconteceu? — Jeremy perguntou, o tom preocupado quebrando sua habitual postura despreocupada. — Bebeu demais? - Jeremy olhou para Elizabeth, e por um momento, não viu a irmã que sempre parecia ter tudo sob controle.
Havia algo diferente em seus olhos, uma espécie de cansaço que ele reconhecia. Talvez ela também estivesse lidando com mais coisas do que deixava transparecer. A verdade era que, por trás da imagem impecável, tanto ele quanto Elizabeth estavam perdidos — cada um à sua maneira.
— Terminei com o Mike — Elizabeth respondeu, sua voz soando mais firme do que parecia estar. — A gente já sabia que não ia durar. Somos de mundos diferentes e, no fim, ficou claro que não daria certo. Sei que ele é seu melhor amigo, mas as coisas se complicaram nas férias.
Jeremy observou a irmã por um momento, sem saber ao certo o que dizer. Ela gostava de Mike, mas sabia que o relacionamento dos dois não estava indo bem há algum tempo.
— E como você está se sentindo? — ele perguntou, genuinamente preocupado.
— Não estou mal. Foi uma conversa madura, sabe? Ainda somos amigos — Elizabeth disse, mas seu sorriso vacilou por um instante. Jeremy percebeu a hesitação e soube que havia mais coisa ali do que ela estava revelando. Ele conhecia bem a irmã para saber que ela estava magoada, mesmo que tentasse esconder. A dor estava lá, escondida sob camadas de controle e fachada.
— É o que todo mundo diz — ele respondeu, rindo, mas Elizabeth não deixou barato e o beliscou no braço. — Ai! Enfim, esse é o segundo namoro seu que dá errado — ele provocou, relembrando o fracasso anterior da irmã — Melhor ser como eu e seguir sem compromisso — Jeremy disse com um sorriso despreocupado, mas por dentro ele sabia que havia algo mais. As festas e as bebedeiras eram uma forma de anestesiar o vazio que sentia. Quanto mais se afastava das responsabilidades e expectativas, mais alívio sentia. Mas sabia que era apenas temporário — e a ressaca sempre chegava.
— Você quer dizer, viciado? — Elizabeth disse, apontando para a gaveta com uma sobrancelha levantada. O tom era leve, mas Jeremy percebeu a preocupação nos olhos da irmã. Ela sabia que ele estava brincando com fogo, e o silêncio dela sobre o assunto sempre o deixava desconfortável. Por mais que tentasse se convencer de que tinha tudo sob controle, ele sabia que Elizabeth sabia melhor — Isso não é exatamente uma mentira — ela riu, provocando-o. — Sabemos muito bem como foi o seu verão.
Eles riram juntos, como sempre faziam, mas por trás das piadas havia algo não dito. A verdade era que, enquanto provocavam um ao outro sobre namoros e festas, ambos estavam tentando esconder o fato de que as coisas não estavam bem. E por um momento, no silêncio entre as risadas, eles quase admitiram isso para si mesmos."
— Pelo menos eles não estão aqui para nos ver assim — disse Jeremy, apontando para si mesmo com um sorriso sarcástico. Elizabeth revirou os olhos, mas sabia que ele tinha razão. Era sempre mais fácil quando os pais não estavam por perto, ocupados com os negócios e a sociedade. Mas, ao mesmo tempo, a ausência deles deixava um vazio que nenhum dos dois conseguia preencher — Vamos tomar café — Jeremy disse, mudando rapidamente de assunto. — Temos a festa de volta às aulas hoje. Melhor nos prepararmos.
Os dois desceram as escadas, prontos para enfrentar mais um ano letivo.
...
Na casa dos Sorrentini viviam Gideon — um importante magnata e empresário bilionário — e sua esposa Leah, uma importante professora universitária em Columbia. Juntos, eles eram pais de Daniel e Sebastian Sorrentini, e a família era uma das mais ricas da região.
Enquanto os pais ainda não tinham voltado de uma viagem, Daniel acordou em sua cama com uma morena ao lado, cujo nome ele não conseguia lembrar. Conhecido por seu lado mulherengo e sarcástico, Daniel se jogava nas festas e nos braços de qualquer garota que pudesse distraí-lo de seus próprios pensamentos. Sebastian sabia que o sarcasmo do irmão era uma forma de se proteger — e, em certo nível, Daniel sabia disso também. Mas nunca falavam sobre essas coisas. Era mais fácil manter as provocações e o jogo de aparências..
— Bom dia! — disse a morena, ainda deitada, enquanto Daniel se levantava.
— Eu adoraria ficar para o café da manhã, mas preciso ir para casa — ela continuou, tentando se vestir discretamente.
— Eu não vou comer aqui mesmo — respondeu Daniel, indiferente, enquanto colocava a camisa. Ele não dava muita importância para essas situações; todas as suas "relações" eram assim.
— Vai me ligar? — ela perguntou com uma esperança velada, enquanto terminava de se arrumar. Daniel sabia o quanto ele era desejado na região.
— Quem sabe... — Ele sorriu de lado, aquele sorriso provocativo que sempre fazia. — Nos vemos por aí. Eu te ligo — mentiu, sabendo muito bem que não o faria.
— Até mais! — ela se inclinou para beijar o rosto dele antes de pegar suas coisas. Quando abriu a porta, deu de cara com Sebastian, que olhava para a cena com uma expressão neutra, como se aquilo já fosse rotina.
— Bom dia! — disse ela, meio sem jeito.
— Bom dia — respondeu Sebastian, educado, mas sem surpresa. Quando a garota saiu, ele se voltou para o irmão. — Essa é a quarta ou quinta da semana? — perguntou com um leve sarcasmo.
— Você deveria aproveitar mais a vida, irmãozinho — Daniel disse, andando até a cozinha, com Sebastian logo atrás — Só se vive uma vez. Você anda muito rabugento ultimamente.
Os empregados se retiraram silenciosamente, como faziam sempre que os irmãos Sorrentini estavam à mesa. Eram mestres na arte de serem invisíveis, mas os olhares trocados entre eles sugeriam que viam mais do que qualquer um poderia imaginar. Eles sabiam dos pequenos dramas que se desenrolavam naquele apartamento de luxo, mas era parte de seu trabalho manter o silêncio.
— Quando nossos pais voltarem, quero ver como você vai esconder suas escapadas — disse Sebastian, com um sorriso irônico. Daniel deu de ombros, despreocupado. Sebastian observava o irmão, sentindo uma leve irritação crescer. Daniel sempre parecia se safar de tudo, enquanto ele, o 'irmão responsável', carregava o peso de manter as aparências. — Pelo menos um de nós tem que ser sensato — murmurou Sebastian, mais para si mesmo do que para Daniel.
— Eles nunca estão aqui mesmo. Só precisam de nós para as fotos de família perfeita. — Mas ambos sabiam que havia mais do que despreocupação nas palavras de Daniel. A ausência de Gideon e Leah era, ao mesmo tempo, uma bênção e um peso. — E pensando bem, acho que você vai se divertir bastante na festa de hoje.
— E você vai correndo atrás da Elizabeth — Daniel zombou, mas seu sorriso era tenso. Por mais que fizesse piadas, a ideia de ver Sebastian ao lado de ela o incomodava. Ele podia se envolver com todas as garotas que quisesse, mas sabia que Elizabeth era diferente. E era isso que o assustava. Brigar com a morena era mais fácil do que admitir o que sentia. — Já ouviu que ela terminou com o Mike?
— Não vou me jogar em cima dela assim — Sebastian revirou os olhos, sem paciência para as provocações do irmão. — O Mike é nosso amigo.
— A doce e inocente Lizzie precisa de alguém para consolá-la na festa. Quem melhor do que o nosso Golden Boy? — Daniel falou com um sorriso irônico.
— Cala a boca — disse Sebastian, ignorando-o enquanto terminava de preparar seu prato. O celular de Sebastian vibrou, interrompendo a conversa. Ele olhou a mensagem e sorriu levemente. — Adivinha quem voltou depois de sumir o verão inteiro.
— Charlie voltou? — Daniel perguntou, surpreso. Sebastian assentiu. — Agora as coisas finalmente vão melhorar por aqui. As festas estavam um tédio sem a loirinha para movimentar tudo - Quando Sebastian mencionou Charlotte, Daniel sentiu uma faísca de animação. Charlotte sempre soube como trazer caos e diversão para qualquer situação, e ele estava ansioso para ver como sua volta mexeria com as coisas. Para ele, as festas não tinham o mesmo brilho sem ela por perto.
— Vamos ver como as coisas vão ser desta vez — disse Sebastian, enquanto respondia à mensagem. Os dois tomaram o café da manhã juntos, prontos para encarar mais um dia e o retorno às aulas.
...
Lola Foster terminou de deixar as malas no seu novo quarto. Tudo havia mudado desde aquele maldito desastre aéreo, há dois anos atrás. Ela e seu irmão, Eric Foster, ficaram órfãos muito cedo, e agora viviam sob a guarda da avó Bernadeth, ou Bina, como gostavam de chamá-la. A família Foster era uma das mais renomadas de Atlanta, mas Bina decidira voltar para sua cidade natal, Nova Iorque, onde o império da família havia surgido. Agora, os dois netos a acompanhavam, prontos para iniciar seus estudos no prestigiado internato Willowbrook Boarding School.
Bina se esforçava para ser uma fortaleza para os netos. Sabia que Lola e Eric precisavam de estabilidade, e ela estava determinada a dar isso a eles. Mas em noites silenciosas, quando o vazio da casa se tornava insuportável, Bina se permitia chorar. Ela também havia perdido algo. Não apenas um filho e uma nora, mas o futuro que imaginava para sua família. E agora, estava tudo quebrado.
Após fechar a porta do quarto, Lola se jogou na cama. Pegou na bolsa uma fotografia antiga, onde aparecia ao lado de Eric e seus pais, sorrindo em um parque de Atlanta. Ela abraçou a imagem com força, enquanto as lágrimas rolavam. Desde o acidente, ainda não havia superado o trauma, e sua dor a fez se afastar de tudo e de todos. Sua fase rebelde só intensificava o isolamento que ela própria criava.
As memórias daquele dia fatídico invadiram sua mente.
Flashback:
Ela e Eric brincavam na sala, discutindo animadamente após Lola roubar algumas cédulas do dinheiro do jogo. A porta se abriu de repente, e Bina entrou. Seu rosto estava devastado, os olhos marejados e os ombros curvados sob o peso de uma notícia que ela não queria carregar.
— Vó! — Eric correu até ela, o rosto confuso.
— O que aconteceu? — Lola perguntou, sentindo um calafrio percorrer sua espinha.
Bina tentou falar, mas os soluços a impediam. Ela se esforçou para manter a compostura, mas as lágrimas escorreram antes que as palavras saíssem.
— Houve um acidente aéreo — começou, a voz trêmula. — Era o voo para Paris...
As palavras flutuavam no ar, sem serem completamente compreendidas pelos dois irmãos. Eric olhou para a avó, incrédulo.
— Não, vovó… Não diga que...
— Eu sinto muito… — disse Bina, envolvendo os dois netos em um abraço apertado. Eric desabou em lágrimas, enquanto Lola ficou imóvel, como uma estátua. Ela não conseguia chorar, nem gritar. Seu corpo simplesmente congelou. Aquilo não podia ser verdade.
Bina levou os dois para seus quartos e, com um beijo no rosto de cada um, sussurrou: "Vai ficar tudo bem", antes de sair e fechar a porta. Mas ela sabia que nada seria como antes. Não depois de perder seu filho e sua nora de forma tão abrupta.
Mais tarde, Eric foi até o quarto da irmã.
— Lola, fala comigo, eu preciso de você. — Ele esperou, mas Lola não respondeu. Encolhida na cama, seus olhos estavam abertos, mas era como se ela não estivesse mais ali. Eric, sem saber o que fazer, voltou para o próprio quarto, onde chorou até dormir.
O mundo de Lola parecia sempre cinza. Mesmo quando as pessoas sorriam ou tentavam conversar, tudo era um borrão. Cada vez mais, ela se afastava do que importava, como se o simples ato de sentir algo a deixava vulnerável demais. A fotografia em suas mãos era um lembrete cruel de que ela já havia sentido felicidade, mas aquele tempo parecia tão distante que, às vezes, ela se perguntava se realmente havia acontecido.
De volta ao presente, Lola sacudiu a cabeça para afastar as lembranças. Levantou-se da cama e saiu para pegar um copo d'água. Ao abrir a porta, viu Eric deitado no sofá da sala, ouvindo música em seus fones de ouvido. Ela sorriu levemente para o irmão mais novo, mas não se aproximou.
Eric era uma presença constante, mas silenciosa. Ele nunca reclamava, nunca cobrava. Talvez soubesse que Lola estava lutando para manter a cabeça fora d'água. Às vezes, ela queria abraçá-lo, dizer que tudo ficaria bem, mas as palavras sempre morriam em sua garganta. Sentia-se culpada por não conseguir ser a irmã que ele precisava, mas ao mesmo tempo, não sabia como quebrar o muro que havia erguido ao redor de si mesma.
Voltou ao quarto, enfiando-se debaixo das cobertas. Não estava com vontade de encarar mais ninguém naquele que seria seu último dia de paz antes do início das aulas. O internato Willowbrook era um novo começo para muitos, mas para Lola, era apenas mais um lugar para se esconder. Enquanto Eric parecia ansioso para se adaptar, Lola sentia que aquele lugar não poderia preenchê-la. Nada parecia ser capaz de preencher o vazio. Ela sabia que todos esperavam que essa nova fase a ajudasse, mas tudo o que ela conseguia pensar era em como fugir de mais um ambiente onde se sentia invisível.
Lola sabia que estava se afastando de tudo e todos. Sabia que sua avó e seu irmão se preocupavam com ela. Mas quanto mais tentavam alcançá-la, ela recuava. Havia uma parte dela que queria se abrir, chorar nos braços de Eric, falar sobre a dor que a consumia. Mas outra parte — maior e mais poderosa — a impedia. Era como se estivesse presa em uma prisão que ela mesma havia construído, sem saber como sair.
...
Karl e seu pai, Burt Herman, acabaram de chegar a Nova Iorque esta semana, prontos para começar uma nova etapa em suas vidas. Burt havia conseguido expandir seus negócios da família, mesmo em uma cidade tão grande como Nova Iorque, e as promessas para o futuro pareciam boas. Os dois vieram diretamente de Nashville, Tennessee, e para Karl, a mudança não poderia ter chegado em um momento melhor.
Nashville era um campo de batalha silencioso. Cada corredor da escola parecia estreito demais, cada olhar, um julgamento. As risadas maldosas, os cochichos pelas costas — tudo o fazia se sentir pequeno. Ao contrário de outros, Karl nunca encontrou um refúgio seguro, e quando finalmente saíram da cidade, foi como se ele tivesse sido liberado de uma prisão invisível.
Ele nunca tinha feito muitos amigos em Nashville e, na verdade, sentia-se aliviado por deixar tudo para trás. Os anos de bullying, os olhares de julgamento e as risadas cruéis eram memórias que ele preferia esquecer. Nova Iorque era uma oportunidade de começar de novo, mas o medo de que tudo se repetisse ainda pairava sobre ele.
Karl ficou órfão aos sete anos, quando sua mãe faleceu devido a uma doença incurável. Desde então, seu pai carregava o peso de criá-lo sozinho, sempre com medo de falhar.
Burt era um homem que raramente demonstrava suas inseguranças, mas sabia que, desde que sua esposa faleceu, ele carregava um medo constante de falhar como pai. Era um peso silencioso entre eles, algo que nunca falavam, mas que o filho sentia em cada abraço e em cada olhar de preocupação. Karl, por sua vez, tentava ser o melhor filho possível, o que não era difícil, já que nunca havia sido muito sociável. Os Herman tinham uma boa condição financeira, vinda de sua origem alemã, o suficiente para morarem em Manhattan, embora ainda estivessem abaixo do status dos magnatas e multimilionários da ilha.
— Já vou ter que ir para o trabalho, Karl. Qualquer coisa que precisar, você me liga — Burt apertou o filho em um abraço, talvez mais forte do que o normal. Karl sentiu o peso da preocupação em seus braços, mas nenhum dos dois sabia como expressar isso em palavras.
— Vou ficar bem — Karl disse, mas sua voz soou menos convincente do que gostaria. Ele queria dizer tantas outras coisas, queria que seu pai entendesse tudo o que estava acontecendo dentro dele, mas as palavras simplesmente não vinham. Burt se afastou, dando um leve sorriso antes de sair pela porta, deixando Karl sozinho com seus pensamentos tumultuados.
Quando Burt saiu, Karl ligou a televisão em um programa qualquer, mas não prestou atenção. Seus pensamentos estavam em outro lugar. Ele só queria que essa mudança significasse um novo começo. Não que ele ligasse muito para socializar, mas ao menos esperava não sentir o mesmo medo e horror que o perseguiam na antiga escola.
Mas havia outra coisa que o preocupava, algo que Karl sabia que eventualmente precisaria enfrentar. Ele ainda não sabia quando estaria pronto para admitir que era gay. O preconceito que sofreu em Nashville havia sido uma das principais razões de sua exclusão. Embora não ligasse para o que as pessoas ignorantes pensam, sabia que o mais difícil seria contar ao pai. Karl queria ser o filho que seu pai esperava, mas temia que, se revelasse quem realmente era, tudo entre eles mudaria. E não tinha certeza se estava pronto para isso.
Karl sabia que não poderia esconder quem ele era para sempre, mas a ideia de se abrir para o pai o aterrorizava. Ele imaginava todas as possibilidades — desde o alívio até a decepção nos olhos de Burt. O pai sempre havia sido seu protetor, mas e se essa revelação mudasse tudo? E se Burt não o entendesse? Não tinha respostas, apenas o medo crescente de que, quando chegasse o momento, não teria coragem de dizer a verdade.
E, além disso, ele tinha um sonho: queria entrar no mundo do teatro, que sempre foi o único lugar onde Karl sentia que poderia ser quem realmente era, sem medo de julgamento. Naquele palco imaginário, ele podia se libertar de todas as expectativas, de todos os olhares críticos. Mas na vida real, o teatro era apenas um sonho secreto, algo que ele mantinha trancado junto com sua verdade. Nova Iorque parecia o lugar perfeito para finalmente seguir esse caminho, mas ao mesmo tempo, o medo de decepcionar seu pai o mantinha preso.
…
Samara havia passado os últimos dois anos em um internato rígido na Europa, onde tudo — desde o comportamento até as roupas — era controlado com punho de ferro. Ela odiava cada segundo. A rotina, as regras, as expectativas sufocantes dos professores e dos pais. E agora, de volta a Nova Iorque, sentia-se como uma mola prestes a explodir. Seus pais achavam que agora, a mandando para o internato mais prestigiado da cidade a fariam mudar, mas tudo o que ela queria era se rebelar contra qualquer autoridade que tentasse controlá-la.
Mandar Samara para o novo internato havia sido a última tentativa de moldá-la para que se encaixasse na visão deles de 'filha perfeita'. Mas ela sentia o oposto. Cada regra quebrada, cada dia fora de casa sem dar explicações, era uma forma de resistir ao controle que tentavam impor sobre ela. Sua família é conhecida como uma das mais ricas do México, havia se mudado para o Upper West Side quando a mesma ainda tinha quatro anos. E agora, sabia que estudaria com a mais alta elite do lado oposto.
O Upper East Side era uma jaula dourada. Para Samara, era um lugar onde todos se importavam mais com a aparência do que com o que realmente sentiam. Era fácil desdenhar dos 'riquinhos mimados', mesmo sabendo que, no fundo, ela também fazia parte daquele mundo. Esse era o paradoxo que a consumia — querer se afastar de tudo, mas ainda estar presa pelas expectativas que seu sobrenome carregava.
A grande cidade deveria ser o seu lar, mas depois de um tempo fora, Samara não se sentia à vontade em lugar nenhum. Era como se tivesse mudado demais, enquanto a cidade continuava a mesma. Todos os seus antigos amigos seguiram em frente, enquanto ela tentava descobrir quem era, além da garota rebelde que todos conheciam. Essa sensação de não pertencer só aumentava a frustração que sentia todos os dias
Sozinha em casa, Samara sentia o tédio a sufocar. Seus pais haviam saído para visitar sua amada abuela, mas ela não estava nem um pouco interessada em ir junto. Ela não era conhecida pela paciência. O tédio se infiltrava rapidamente em seu corpo, transformando-se em irritação. Se ficasse um minuto a mais naquele apartamento, com certeza explodiria. Sua impulsividade era sua maior aliada e inimiga ao mesmo tempo — ela sempre agia antes de pensar, e isso já havia lhe causado problemas suficientes no passado.
A cada segundo que passava, a irritação crescia, até que ela decidiu dar uma volta pelo quarteirão. Pegou a bolsa e saiu sem deixar recado, só queria sentir o caos da cidade grande.
— Não aguento mais ficar aqui — murmurou, frustrada, enquanto esperava o elevador. Ela não tinha destino certo, mas acabou decidindo parar em uma lanchonete perto de casa, já que seu estômago começava a roncar.
— O que deseja? — perguntou o atendente, olhando para ela.
— Um milk-shake de morango — Samara pagou pela bebida, mas a lanchonete estava cheia e não havia lugares disponíveis. Sem ter onde sentar, ela se aproximou da porta, esperando seu pedido. Foi aí que esbarrou em alguém, quase derrubando o copo de líquido na própria roupa.
— Me desculpe, de verdade! — A loira de olhos azuis se apressou em pedir desculpas, a expressão desesperada.
Ela estava pronta para estourar — era o que fazia sempre quando alguém a irritava. Mas, de alguma forma, o jeito desajeitado da loira a fez hesitar. Talvez fosse o jeito genuíno como se desculpou, ou talvez fosse a necessidade desesperada de Samara por uma pausa no seu constante estado de guerra. O fato era que, naquele momento, a garota rebelde, deixou a guarda abaixar por um segundo.
— Está tudo bem! — foi a única coisa que Samara conseguiu dizer, ainda sem entender o motivo de sua reação calma.
— Eu também sou um pouco desastrada — a menina deu uma risadinha nervosa, e Samara, para sua surpresa, sorriu de volta.
— Acho que acabou de liberar um lugar ali — Samara apontou para uma mesa que ficou vaga. — Se quiser, pode se sentar comigo. Eu estava meio sozinha.
— Claro — a garota loira aceitou com um sorriso. As duas se sentaram rapidamente antes que alguém tomasse o lugar.
— A propósito, sou Bethany Parker — disse a loira, estendendo a mão.
— Samara Lozano — respondeu, apertando a mão de Bethany. — E você mora onde?
— Moro no Brooklyn — Bethany sorriu. — Consegui uma bolsa para estudar na Willowbrook Boarding School. Não pelas notas, mas porque sou a melhor cheerleader e dançarina da escola. Foi assim que consegui a vaga.
— Legal! Eu acabei de me mudar para o Upper East — Samara explicou. — Confesso que não esperava que a primeira pessoa que eu conhecesse fosse de outro bairro. Achei que só encontraria os riquinhos mais mimados daqui.
Bethany riu alto.
— Pois é, também não esperava encontrar alguém como você. Parece que não vamos estar tão deslocadas assim.
As duas continuaram conversando por um bom tempo, e, embora Samara não soubesse exatamente o porquê, ela sentiu que havia encontrado uma amiga. Pela primeira vez em muito tempo, o mau humor diário dela pareceu se dissipar, pelo menos um pouco.
...
Outra família recém-instalada no Upper East era a dos Marikson, que transferiram a sede de sua grande empresa de Londres para Nova York. Os empresários Marcus e Eleanor Marikson, de origem sueca, que cresceram seus negócios na Inglaterra, tinham quatro filhos: Elliot era o filho mais velho e já havia ingressado no MIT, Kendrick entraria no último ano do Ensino Médio, enquanto Kyle era o filho que mais dava trabalho por suas dificuldades de disciplina. Já Rosalie era a filha caçula, que estava bem animada com a nova moradia, pois não havia se adaptado bem à escola antiga.
Kyle sempre se sentiu à sombra de seus irmãos. Elliot, o gênio da família, e Kendrick, sempre dedicado aos estudos. Ele? Bem, ele era o 'rebelde'. O que mais irritava não era nem a falta de disciplina, mas a sensação constante de que ele não pertencia ao molde perfeito que seus pais, principalmente seu pai, tanto valorizavam.
Ele cochilava no quarto até que acordou com os gritos de sua mãe e se levantou assustado. Ele andou em direção à sala e a encontrou sentada no enorme sofá. Logo, ficou irritado, já esperando que teria que fazer algum favor urgente.
— O que foi, mãe? — Kyle revira os olhos. Suas roupas estavam amassadas, e sua expressão era de puro sono.
— Vá ao mercado! — Ela pegou sua carteira na bolsa e entregou uma certa quantia de dinheiro junto com uma lista de compras. — Os empregados estão de folga hoje, preciso desse favor.
— Ah, não! Eu não quero — Ele se jogou no sofá, irritado. — Por que não podem ir Rosalie ou Kendrick? - Kyle odiava ser o 'faz-tudo' quando os empregados estavam de folga. Para ele, era como se seus pais tentassem, de alguma forma, discipliná-lo por meio de tarefas insignificantes. Elliot e Kendrick nunca precisavam lidar com isso, então por que ele? Às vezes, sentia que era uma maneira de seus pais mostrarem que ele precisava 'crescer' ou 'tomar responsabilidade' — como se mandar alguém ao mercado fosse a chave para moldar o caráter.
— Rosalie ainda está um pouco gripada, e Kendrick está ocupado com seu pai. — Ela novamente pegou o dinheiro com a lista e lhe entregou. Kyle, insatisfeito, pegou o que foi entregue e guardou no bolso. Foi até Rosalie, que dormia profundamente na cama, e deu um beijo em sua testa.
Não demorou muito para chegar ao mercado. A família Marikson havia se mudado de Londres para Nova York por conta das melhores oportunidades de negócio para os pais.
Por trás da fachada de garoto rebelde, havia muito mais em Kyle do que ele permitia que os outros vissem. Ele não queria admitir, nem para si mesmo, mas a constante comparação com seus irmãos o corroía. Era mais fácil se afastar, adotar o papel de 'problema', do que tentar e falhar como Elliot ou Kendrick. A América, para ele, era uma chance de recomeçar — talvez até de se encontrar. Mas, ao mesmo tempo, o peso das expectativas da família sempre estava lá, sufocando-o em cada decisão.
Ele entrou no mercado e começou a procurar pelos itens da lista, mas acabou esbarrando em Lola, que estava distraída, quase a derrubando no chão.
— Me desculpe — Kyle falou e se posicionou para ajudá-la, estendendo a mão. Lola apenas assentiu sem dizer nada. Ele estranhou o comportamento inesperado.
— Você está bem? — Ele perguntou com preocupação. Ao olhar nos olhos de Lola, Kyle sentiu algo estranho. Era como se, por um breve momento, ele conseguisse ver através dela — como se aquela garota carregasse um peso invisível, algo que ele não conseguia decifrar, mas que o atraía de uma maneira inexplicável. Ele não sabia o que era, mas de alguma forma, sentiu uma espécie de conexão, como se seus próprios sentimentos de inadequação encontrassem um eco na solidão dela.
— Me desculpe, você é muda? — Ele perguntou, e Eric chegou logo atrás, preocupado com sua irmã mais velha.
— O que foi? — Ele perguntou para Lola, que apenas saiu em direção à avó.
— Desculpe me intrometer, mas o que ela tem? — Kyle perguntou, observando-a de longe com curiosidade. Ela o fascinava de alguma forma, e ele não conseguia parar de olhá-la. Eric olhou para Kyle por um momento, o olhar claramente avaliando se ele era uma ameaça ou apenas curioso. O modo como perguntou sobre Lola o incomodou, mas também sabia que era difícil julgar alguém apenas por uma pergunta.
— Nossos pais morreram recentemente. Desde então, ela não fala com mais ninguém, troca no máximo umas dez palavras por dia. — Eric explicou a situação, realmente esperando que sua irmã melhorasse com o tempo.
— Eu sinto muito — disse Kyle, com sinceridade, mas ainda não conseguia tirar os olhos de Lola.
— Bom, eu não deveria estar dando explicações para estranhos. Até. — Eric se virou e voltou até Lola. Logo, eles se juntaram à avó e se retiraram do local. A ideia de explicar a história da irmã para um completo estranho não lhe caía bem.
Kyle estava confuso. Havia algo em Lola que o deixava desconfortavelmente intrigado. Não era apenas o silêncio ou o olhar distante; era como se ela carregasse uma presença tão pesada quanto o silêncio ao seu redor. Como se cada movimento, cada palavra não dita, estivesse guardando um segredo muito maior que a dor de perder os pais. E Kyle, contra todos os seus instintos, queria descobrir o que era. Não sabia se a veria novamente, mas era o que mais desejava no momento.
Ele voltou para casa, intrigado e curioso com a garota misteriosa de olhos esverdeados, esperando pela chance de encontrá-la novamente.
...
Os Benson estavam em um táxi rumo à sua moradia anterior, pois a família morou no último ano na Irlanda, acompanhando a avó de Bianca, que estava bastante doente, e, após o seu falecimento, retornaram para Nova York. Eles tinham uma ótima condição financeira, mas não o suficiente para fazer parte do círculo de elite de Manhattan.
Ela tinha uma bolsa de estudos desde que era criança, e por sua beleza e personalidade cativante, acabou por pertencer ao grupo de seus amigos ricos. Ser parte do grupo dos 'ricos' sempre foi um desafio disfarçado de privilégio. Bianca sabia que muitos amigos a admiravam por sua personalidade, mas havia uma constante pressão para se manter à altura, tanto no visual quanto no estilo de vida. Por isso, trabalhava duro durante as férias, guardando cada centavo para manter sua imagem. Às vezes, se perguntava quanto tempo conseguiria sustentar aquele equilíbrio entre quem era de verdade e quem precisava ser.
Bianca não conseguia tirar a avó da cabeça. A dor da perda ainda estava fresca, e o tempo passado na Irlanda parecia um sonho distante. Cada canto da casa da avó estava impregnado de memórias: os cheiros, os sons, as conversas que agora ecoavam apenas em sua mente. Voltar para Nova York sem ela parecia um golpe cruel do destino.
A cidade sempre fora seu lar, mas agora, depois de um longo ano longe, Bianca não sabia se ainda se sentia parte daquele lugar. Os prédios altos e as ruas movimentadas, antes familiares, agora pareciam distantes. O que seus amigos pensariam dela? Será que as coisas mudaram enquanto ela estava longe? Essas perguntas a assombravam, apesar do sorriso que forçava para os pais.
— Está bem, querida? — perguntou Abigail, sua mãe, no carro, vendo o quanto a filha estava distraída.
— Só estou pensando um pouco na vovó — Bianca deitou a cabeça no ombro de sua mãe. Seu pai estava no banco do carona e pegou em sua mão.
— Ela sempre vai ter orgulho de você, querida — ele sorriu, apoiando-a. — Agora estamos voltando para a nossa casa.
— Senti saudades daqui — Bianca sorriu, com a cabeça baixa. — Meus amigos todos estão aqui.
— Vai ser um bom ano — Abby a abraçou de lado. — Tenho certeza disso, pode ficar tranquila, meu amor.
— Espero que sim — Bianca sorri. Seus pais estavam otimistas, tentando voltar à rotina normal. Mas Bianca sentia que algo em sua vida ainda estava em suspenso. Por mais que seu pai apertasse sua mão com carinho e sua mãe a abraçasse, ela sabia que o luto pela avó não se dissiparia tão facilmente. Não se tratava apenas da perda, mas da sensação de que uma parte importante da sua história havia ficado para trás, enterrada junto com as memórias de infância.
Não demorou muito para eles chegarem. Os três pegaram suas coisas e retornaram para o apartamento, que estava exatamente como o deixaram — cada móvel, cada quadro no mesmo lugar. Mas para Bianca, algo parecia diferente. O ambiente era familiar, mas distante ao mesmo tempo, como se ela tivesse retornado a uma vida que já não lhe pertencia completamente. Era como entrar em um retrato antigo, onde tudo estava no lugar, exceto as emoções que uma vez viveram ali.
...
Em meio ao círculo social de Nova York, no Upper East Side, moravam os Finnegan, com seus importantes negócios. Eles tinham duas filhas, e uma delas era Scarlett, bastante frívola e ambiciosa.
A loira não tinha nada a ver com sua própria família e precisava manter a imagem de filha perfeita. Sua irmã havia se casado, e ela estava sozinha naquele ambiente que considerava um verdadeiro inferno. Seu pai fazia cobranças constantes, enquanto sua mãe não desempenhava nenhum papel significativo em casa, apenas servia em silêncio.
Scarlett amava a mãe, mas, às vezes, não conseguia deixar de sentir uma pontada de frustração. Por que Judith nunca se impunha? Por que aceitava tudo em silêncio? Scarlett jurou para si mesma que nunca seguiria o mesmo caminho. Não seria apenas mais uma peça silenciosa no jogo de seu pai — ela teria sua própria vida, longe dali.
Desde que sua irmã se casou, sentia que estava mais sozinha do que nunca. Ela costumava ser uma espécie de proteção, alguém que dividia o peso das expectativas. Agora, Scarlett estava sozinha, com todas as atenções voltadas para ela. E, às vezes, o silêncio da casa era insuportável, uma lembrança constante de que, em breve, seria sua vez de escapar.
Por fora, parecia a filha perfeita — sempre sorrindo, sempre controlada. Mas por dentro, tudo que ela queria era escapar. Cada dia era uma luta para não mostrar fraqueza, para não ceder à pressão de ser perfeita aos olhos de seu pai. A ambição que muitos viam como um traço positivo, para ela, era uma forma de sobreviver em um ambiente que parecia sufocá-la.
— Querida, já se arrumou para ir à igreja? — perguntou sua mãe, entrando no quarto já arrumada. — Estamos te esperando.
— Já vou — respondeu Scarlett, forçando um sorriso. Ela amava a mãe, apesar de tudo, mas se sentia completamente deslocada no ambiente familiar, principalmente por causa do pai tão severo. — Vou pegar minha bolsa.
— Te esperamos na sala — disse Judith, ao se retirar. Scarlett terminou de arrumar suas coisas. Já estava pronta para acompanhar o pai, mesmo contra sua vontade, mas sabia que não tinha muita escolha. Ela foi até a sala e os encontrou.
— Minha filha está tão linda — disse seu pai, Russell, ao abraçá-la apertado. Scarlett sorriu ao retribuir o abraço. — Agora que está entrando no Ensino Médio, sabemos que terá uma jornada que nos dará tanto orgulho quanto a de sua irmã.
Cada palavra de seu pai era como uma ordem silenciosa. Scarlett sabia que Russell esperava dela a perfeição que via em sua irmã, e qualquer falha seria imperdoável. Às vezes, sentia como se estivesse sendo moldada para ser exatamente como ele — rígida, inflexível, fria. E essa ideia a aterrorizava. Ela precisava ser diferente, mas, ao mesmo tempo, a pressão de corresponder às expectativas dele a esmagava
— Sabe que sou dedicada às minhas coisas — disse Scarlett, sorrindo. Aquilo era verdade; ela sabia conciliar suas responsabilidades sem se perder, demonstrando bastante dedicação. Por mais que as cobranças fossem pesadas, ela só queria provar que poderia ser a melhor.
— E muito — concordou Judith, sorrindo. — Vamos, senão chegaremos atrasados.
— Okay! — assentiu Scarlett, e os três saíram de casa.
Ir à igreja era mais um ritual que ela fazia automaticamente, sem questionar, sem vontade. Na verdade, detestava a hipocrisia por trás daquilo tudo. Seu pai, com todas as suas cobranças e dureza, se transformava em um homem respeitável e devoto aos olhos da sociedade. E Scarlett? Ela era apenas uma peça nesse teatro familiar. Um papel que precisava desempenhar, mesmo quando sentia que estava cada vez mais longe de acreditar.
A única coisa que mantinha Scarlett em movimento era o pensamento de que, um dia, estaria longe dali. Longe do controle do pai, longe da apatia da mãe. Sonhava em ter sua própria vida, onde poderia tomar suas próprias decisões sem ter que provar nada para ninguém. Mas, às vezes, o medo a consumia. E se, no fim das contas, ela fosse exatamente como eles? E se, mesmo distante, ainda carregasse a sombra de sua família?
...
Enquanto isso, no Bronx, Michael Dawson morava com sua mãe, Kim — barista e alcoólatra —, e sua irmã, Vicky. A família Dawson não tinha boas condições financeiras, mas os dois irmãos conseguiram uma bolsa no Willowbrook Boarding School desde que eram crianças.
No entanto, no último ano, Vicky apresentou uma grande queda em seu desempenho após começar a andar com um grupo de usuários de drogas. Vicky sempre se sentiu na sombra do irmão. Ele era o garoto de ouro, o melhor atleta da escola, o que tinha um futuro brilhante à frente. Ela? Bem, ela só queria fugir. Fugir da pressão, da mãe alcoólatra, e de um irmão que parecia estar sempre com um pé fora de casa. O grupo com quem começou a andar era seu escape, sua maneira de gritar silenciosamente por nunca conheceram o pai e nem sabiam de sua existência, pois Kim se recusava a falar sobre o assunto.
Mike era o melhor atleta e já seria promovido a quarterback em seu primeiro ano. Ele namorava Elizabeth desde o ano passado, mas terminaram por incompatibilidade de planos para o futuro. Apesar disso, ele ainda a amava e pretendia reconquistá-la. Todavia, seu maior objetivo era manter o foco e cobrir as despesas da casa, que estavam bastante difíceis.
Ser quarterback era mais do que apenas um título para Mike. Era a única coisa que ele tinha certeza de que poderia controlar. O caos em casa, a ausência do pai e o coração partido por Elizabeth faziam com que ele se agarrasse ao futebol como se fosse sua única saída. E, com as contas cada vez mais apertadas, ele sabia que não poderia se dar ao luxo de falhar.
— Mamãe ainda está dormindo? — Mike perguntou para Vicky, já sabendo que sua mãe havia chegado bêbada, como quase todas as noites.
— Sim, eu nem a vi chegar — Vicky deu de ombros. — O que você vai fazer hoje à noite?
— Tenho uma festa de boas-vindas para ir — Mike respondeu, lendo a mensagem de Daniel. No mesmo momento, recebeu a notícia de que Charlotte havia chegado à cidade após seu sumiço de verão. — Você vai?
— Não fui convidada — Vicky respondeu de forma ríspida. — Não puxo o saco dos riquinhos como você. Não sabe que eles nos desprezam por morarmos em um dos piores lados de Nova York? Ainda ficou o ano todo se arrastando pela Elizabeth, que te deu um fora na primeira oportunidade.
— Diferente de você, eu procuro me socializar sem me importar com essas futilidades e correr atrás de um futuro melhor — Mike pegou sua mochila. — Estou de saída, caso minha mãe pergunte.
— Tchau, mauricinho idiota! — Vicky provocou, e Mike revirou os olhos. Vicky não conseguia entender por que Mike se esforçava tanto para ser aceito por aqueles 'riquinhos'. Na cabeça dela, eles nunca os veriam como iguais. Eles eram do Bronx, e não importava quantas bolsas de estudo conseguissem, ainda seriam os estranhos. E Mike, correndo atrás de Elizabeth, só parecia mais patético aos olhos de Vicky. Ela queria gritar para ele parar de tentar se encaixar, de correr atrás de um futuro que talvez nunca fosse deles.
Ele pegou o metrô em direção ao Upper East Side, onde combinou de ir à casa de Sebastian antes da festa. Assim que saiu da estação, pegou o celular para digitar uma mensagem, mas acabou esbarrando em alguém na rua movimentada. Ao parar para se desculpar, percebeu que era Charlotte.
— Charlie? — Mike sorriu, surpreso ao vê-la. — Acabei de saber da sua chegada.
— Mike! — Ela o abraçou animada. — Fico feliz em vê-lo. O povo desse lugar é muito fofoqueiro; mal pisei no aeroporto e todos já sabiam.
— Esqueceu que você é Charlotte Fitzgerald? — Mike disse, como se já fosse óbvio. — Por onde andou nas férias? Sumiu sem dar notícias.
— Precisava de um tempo para colocar as coisas em ordem. Fui ficar com meus avós por um tempo — ela respondeu, visivelmente desconfortável com o assunto. — Agora estou 100% melhor. Você sabe que me meti em muita confusão. — Mike sorriu para ela, orgulhoso. — Soube que Elizabeth terminou com você.
— Notícias voam — Mike riu, sem humor. — Ela estava se sentindo um pouco presa e algumas coisas não batiam, mas continuamos bons amigos, sem nenhum drama.
Mike tentou manter a compostura ao mencionar Elizabeth, mas o peso do rompimento ainda o afetava. Ele tinha sonhos para os dois — imaginava como seria o futuro juntos, talvez até sair do Bronx, construir uma vida em algum lugar novo. Mas Elizabeth queria algo diferente. Ela desejava liberdade, não conseguia lidar com a ideia de já estar presa a planos tão concretos. Para ela, o futuro era uma estrada aberta; para Mike, era algo que ele precisava planejar e controlar. Isso o fazia se sentir inseguro, como se tivesse feito algo errado ao querer algo mais estável com ela.
— Ainda gosta dela? — A loira perguntou curiosa, percebendo que o brilho em seus olhos havia se apagado ao mencionar o nome de Elizabeth.
— Sim, mas não posso fazer nada — Mike deu de ombros, sem muitas esperanças em relação a esse assunto. — Vai à festa hoje à noite?
— Vou — ela respondeu, sem muito entusiasmo. — Preferia ficar em casa, mas quero rever todo mundo.
— O que aconteceu com você? — Mike se espantou, já que a fama da loira em festas era amplamente conhecida.
— Estou um pouco cansada disso — ela diz sem graça. — Pretendo sossegar mais este ano. Por minha reputação e pelo meu futuro, não quero decepcionar meus pais.
Charlotte sorria, mas havia algo diferente em seus olhos. Ela estava cansada. Cansada das festas, das expectativas, de ser a 'garota de ouro' que todos esperavam. O verão que passou longe não foi apenas para descansar — ela estava tentando se reencontrar, fugir das pressões que ela mesma se colocava. Agora, estava determinada a mudar, e ver Mike, que sempre a admirou pela pessoa que ela poderia ser, a fazia sentir uma pontada de esperança.
— Está certa — Mike a apoiou, sendo um dos mais responsáveis do grupo, especialmente por não ter as mesmas condições financeiras que os outros. — Nos vemos à noite?
— Certo — Charlie o abraçou novamente. — Até mais tarde! — Eles se despediram, e cada um seguiu seu caminho.
Ao se despedirem, Mike não pôde deixar de notar como Charlotte parecia diferente. Não era apenas o cabelo ou o sorriso contido — havia algo mais nela, algo que ele não tinha percebido antes. Por um breve momento, ele se perguntou se algum dia poderia vê-la além de apenas uma amiga. Mas, assim que o pensamento veio, ele o afastou. Sua cabeça ainda estava em Elizabeth. Ou pelo menos era o que ele dizia a si mesmo.
...
Sophie saiu daquela casa infernal para espairecer. Embora tivesse pessoas ao seu redor que a faziam se sentir bem, ela se sentia cada vez mais para baixo com um péssimo astral. O ambiente em casa era sufocante. Cada discussão entre seus pais era como uma faca rasgando o pouco de paz que restava em sua vida. Ela se sentia esmagada pela tensão, como se estivesse afundando lentamente em um abismo do qual não podia escapar. A sensação de impotência a consumia, e sabia que, se não encontrasse um jeito de lidar com isso, o colapso seria inevitável.
Nos últimos dias, Sophie mal tinha se alimentado. Seu estômago doía constantemente, mas ela sempre dizia a si mesma que era apenas o estresse, que tudo ficaria bem quando as coisas em casa se acalmassem. O que ela não admitia era que seu corpo estava implorando por ajuda, enquanto sua mente tentava empurrar todas as preocupações para debaixo do tapete.
Ao sentar em um banco qualquer na rua, observa os movimentos e os passos apressados das pessoas, no típico e rápido ritmo de Nova York. Enquanto as pessoas passavam apressadas, Sophie sentia como se estivesse em uma bolha, isolada do frenesi da cidade ao seu redor. O som dos passos rápidos, das buzinas e do burburinho distante era um contraste cruel com o silêncio sufocante que sentia dentro de si. Era como se a cidade continuasse a girar indiferente, enquanto o mundo de Sophie desmoronava aos poucos. Logo, ela sentiu alguém se sentar ao seu lado e virou para ver quem era.
— Oi, Soph — Jeremy lhe deu um enorme sorriso. Sempre que ele estava por perto, parecia que o mundo não importava mais; apenas estar ao seu lado já fazia o dia de Sophie melhor. O grande problema era que Jeremy não conseguia expressar seus sentimentos para ninguém, muito menos para ela. — Está tudo bem?
— Não, nada está bem — disse Sophie, enquanto seus olhos se enchiam de lágrimas, que começaram a escorrer pelo rosto, borrando um pouco da leve maquiagem que ela havia feito para disfarçar as olheiras das noites mal dormidas.
— O que aconteceu? — Jeremy perguntou, preocupado, e imediatamente a abraçou com força. Sophie envolveu seus braços ao redor dele, como se ele fosse seu único refúgio naquele momento.
— Meus pais... As coisas em casa estão bem difíceis. Nada está dando certo. É só briga atrás de briga, e isso está me afetando muito. — Ela continuou apertando-o, enquanto tentava controlar as lágrimas.
— A única coisa que eu desejo é que isso passe logo, e que tudo melhore. Você nunca estará sozinha, eu te prometo. — Jeremy queria dizer mais, muito mais. Cada vez que via Sophie assim, vulnerável e frágil, tudo o que ele desejava era abraçá-la e sussurrar que estaria ao seu lado, não importa o que acontecesse. Mas ele sempre travava.
As palavras ficaram presas na garganta, e tudo o que ele conseguia fazer era acariciar seu cabelo, esperando que, de alguma forma, isso fosse suficiente para ela perceber o que ele sentia.
- Eu sempre estarei aqui para você, Soph. Você sabe disso, certo?
— Sei, Jer. Eu sei que posso contar com você para tudo. — disse Sophie, soltando-se do abraço e dando um leve sorriso. Seus olhos estavam vermelhos por causa do choro, e sua reação involuntária foi abraçá-lo novamente. Com toda certeza, Jeremy era sua âncora. Nos dias em que tudo parecia desmoronar, era ele quem a mantinha de pé. Sophie sabia que poderia contar com ele, que, não importava o que acontecesse em casa, ele sempre estaria lá para oferecer um abraço e uma palavra de conforto.
Mesmo enquanto chorava, Sophie tentava manter um sorriso fraco no rosto. Era como se ela quisesse convencer a si mesma e a Jeremy de que tudo ficaria bem, de que as coisas em casa não eram tão ruins assim. Mas por dentro, sabia que não podia continuar escondendo o que sentia. Havia uma tempestade dentro dela, e, por mais que tentasse, não conseguiria segurá-la por muito mais tempo
Sophie lembrou-se de quando ela e Jeremy construíram uma cabana improvisada no quintal quando tinham 8 anos. Naquela época, o mundo parecia tão simples, e a amizade deles era como um refúgio indestrutível. Agora, com o caos em sua vida, Jeremy ainda era esse porto seguro — só que algo havia mudado. Havia uma nova tensão no ar, algo que ela ainda não conseguia entender completamente.
Toda vez que Jeremy olhava para Sophie, as palavras 'eu te amo' pareciam querer escapar, mas ele sempre as sufocava. E se ela não sentisse o mesmo? E se ao dizer aquelas palavras, ele destruísse anos de amizade, a única coisa que ele sabia que nunca mudaria? Esse medo o paralisava, deixando-o preso entre a necessidade de estar ao lado dela e o terror de perdê-la.
Para Sophie, Jeremy era uma constante em sua vida, como o sol que sempre estava lá, mesmo nos dias nublados. Ela nunca havia pensado em como seria não tê-lo ao seu lado. Era isso que Jeremy era para ela: segurança, amizade, compreensão. Mas ultimamente, havia algo diferente. Ela sentia seu coração acelerar em momentos estranhos, como quando ele a olhava por um segundo a mais do que o normal. Ela ignorava, achando que era apenas o estresse. Mal sabia que seu coração começava a dizer o que sua mente ainda se recusava a aceitar.
— Acho que vou pra casa me arrumar — disse Sophie, quebrando o silêncio que pairava entre os dois. Havia algo na maneira como Jeremy a olhava, como se quisesse dizer algo, mas não conseguia encontrar as palavras certas.
— Já? — Jeremy franziu o cenho, claramente desapontado. — Achei que ficaríamos mais um tempo por aqui.
Sophie sorriu de leve, tentando esconder o leve desconforto que sentia com aquela tensão no ar, algo que antes não existia entre eles.
— Sabe como é, né? Festa hoje à noite. Preciso ao menos parecer que estou animada — disse ela, levantando-se do banco e ajeitando a bolsa no ombro. — E você? Vai demorar muito pra se arrumar?
Jeremy deu de ombros, tentando soar casual.
— Eu? Não vou me preocupar muito com isso. Só vou colocar qualquer coisa e pronto.
Sophie riu, sentindo-se mais leve. Jeremy sempre tinha esse efeito sobre ela, o de transformar qualquer momento pesado em algo mais suportável.
— Claro, você e seu estilo sempre "desleixado", mas que nunca dá errado — ela brincou, empurrando-o levemente com o ombro. Ele riu, mas logo o sorriso desapareceu, e seus olhos voltaram a se fixar nos dela, de um jeito que a fez sentir o coração acelerar novamente.
— Nos vemos na festa? — Sophie perguntou, com um toque de leveza na voz, tentando dissipar o clima estranho que se instalara.
Jeremy sorriu novamente, mas era um sorriso meio hesitante.
— Com certeza. Vou estar lá. — Ele deu um passo para trás, olhando para ela. Logo, se despedem e seguem para suas casas.
