Esme

O silêncio da casa era traiçoeiro. Por anos, pensei conhecer cada som, cada sombra, cada batida de respiração que ecoava entre essas paredes. Mas, naquele momento, descobri que não sabia de nada.

A voz de Edward ainda pairava no ar, carregada de raiva e incredulidade, enquanto as palavras de Carlisle… Elas haviam me partido ao meio. Meus dedos apertaram com força a lateral da mesa de jantar enquanto minha mente girava.

Carlisle... meu marido. Elizabeth... minha irmã.

Traição. A palavra queimava na minha garganta como ácido.

Minhas pernas vacilaram, e precisei me sentar antes que meu próprio corpo me traísse também. Eu queria gritar. Queria chorar. Queria me convencer de que aquilo era um engano. Mas Edward saíra dali com o olhar devastado, e Carlisle… Ele apenas ficou em silêncio. E, às vezes, o silêncio era a pior confirmação possível.

Não sei por quanto tempo fiquei ali, antes de finalmente me levantar. A casa estava em uma penumbra agora que a noite tinha caído, em silêncio sem a presença de Chloe ou Edward por aqui. Os amigos dele, nossos hóspedes, ainda não tinham voltado.

Passei pelo corredor em passos incertos e parei diante da porta do escritório de Carlisle. Estava entreaberta. Ele ainda estava lá dentro. O olhar perdido sobre a mesa, as mãos unidas, os ombros caídos de um jeito que nunca vi antes.

Ele parecia... pequeno. Mas eu não sentia pena. Não agora.

Empurrei a porta, e o som foi o suficiente para fazê-lo levantar a cabeça. Nossos olhares se encontraram. E, pela primeira vez em anos de casamento, vi culpa nos olhos dele.

— Diga que é mentira — minha voz saiu trêmula, mas afiada.

Carlisle engoliu em seco.

— Esme…

— Diga que é mentira! — gritei, e minha voz ecoou pelas paredes da casa que construímos juntos.

Ele fechou os olhos, os ombros caindo ainda mais. Eu soltei um riso seco e meus dedos foram até meus lábios, como se eu precisasse segurar as palavras, segurá-las para que não transbordassem em desespero.

— Por que nunca me disse?

Ele hesitou. E isso foi outra faca no meu peito.

— Foi um erro, Es. Uma única vez. Não significou nada — ele passou as mãos pelo cabelo, exatamente como Edward fazia — Elizabeth nunca me disse se Edward era meu, e eu não podia interferir na vida dele dessa maneira…

O ar saiu dos meus pulmões como um soco. Eu cambaleei para trás, como se precisasse de distância dele. Uma onda de náusea subiu pelo meu estômago, e minha visão ficou turva. Eu agarrei a beirada da mesa para não cair.

Meu olhar estava preso em Carlisle. O homem com quem compartilhei a minha vida. No homem que dormiu ao meu lado todas as noites enquanto escondia um segredo que destruía tudo o que eu acreditava ser real.

Meu corpo tremia.

— Ela dormiu com você. E depois mentiu para mim. Todos esses anos.

Minha própria irmã. A irmã que passei a vida toda admirando e vendo como um espelho. Minha própria irmã me traiu. E não de qualquer forma. Ela teve um filho com o homem que eu amava. E então me deixou cuidar dele como se eu fosse apenas uma tia amorosa. Como se essa fosse uma vida justa.

— Foi aqui, na minha casa?

Ele não respondeu. Um soluço escapou dos meus lábios, e Carlisle se levantou, como se quisesse me tocar. Eu levantei a mão no mesmo instante, afastando-o.

— Não. Ouse.

Eu estava tremendo. Minha mente girava entre as memórias.

Elizabeth, com aquele sorriso perfeito, com os olhos brilhantes. Carlisle, sempre gentil, sempre paciente.

E Edward… Meu Deus, Edward. Eu o amava como um filho. Porque ele era meu sobrinho. Mas agora… E eu não fazia ideia de como lidar com isso. Meus olhos voltaram para Carlisle, e minha voz saiu fria, cortante.

— Você mentiu para mim todos esses anos. Você me fez amar esse garoto como sobrinho, sendo que ele era seu filho o tempo inteiro! Você me privou disso. Você me roubou a vida toda!

Carlisle fechou os olhos, a culpa esmagando cada linha de seu rosto.

— Eu achei que estava protegendo você.

Eu ri. Foi um riso quebrado. Foi um riso de desespero. Acho que eu estava perdendo a sanidade.

— Proteger? Você me destruiu.

Me virei antes que ele pudesse dizer qualquer outra coisa. Saí do escritório. Saí da casa. Saí da vida que eu achava que era minha.

Eu não sabia para onde ir, mas minha cabeça fez com que eu dirigisse até a casa de Bella. Quando ela abriu a porta e me viu, seu rosto se suavizou, e então seu olhar foi tomado por preocupação.

— Esme? O que houve?

Eu estava tremendo, sem saber como tinha conseguido chegar aqui sem causar um acidente. As multas de trânsito chegariam, com certeza.

— Ele mentiu para mim.

Bella não precisou de mais do que isso. Ela me puxou para dentro, me guiando até o sofá. E então Edward apareceu no corredor, seu rosto se fechando ao me ver naquele estado.

— Esme?

Minha garganta estava seca.

— Edward… eu não sabia — minha voz quebrou — Eu juro que não sabia.

Seus olhos suavizaram, mas ele não disse nada. Então, para minha surpresa, ele se abaixou diante de mim, suas mãos cobrindo as minhas.

E naquele instante, foi como se todos os papéis tivessem se invertido. Era ele quem me confortava. Era ele quem tentava me manter firme. Porque Edward sempre foi assim. Porque, no fundo, nós sempre fomos ligados de uma forma que parecia muito mais complexa que a relação tia-sobrinho. E agora, eu finalmente sabia o motivo disso também.

Edward apertava minhas mãos entre as dele, seu olhar escuro, profundo, carregado de algo que eu não conseguia nomear. Por um momento, o silêncio entre nós foi tudo o que existiu. E então, as palavras simplesmente escaparam.

— Eu deveria ter sido sua mãe.

Edward piscou, surpreso. Bella, ao meu lado, prendeu a respiração. Minha garganta queimava com as palavras, mas elas precisavam sair.

— Eu deveria ter sido aquela que te abraçou quando você caiu e machucou os joelhos. Aquela que te levou para a escola no primeiro dia. Eu deveria ter sido quem te deu boa noite todas as noites, que te segurou nos braços quando você teve febre.

Meu peito subia e descia rapidamente. Eu balancei a cabeça, tentando conter as lágrimas que ameaçavam cair.

— Mas eu não fui. Eu fui apenas a tia querida. A tia que te amava, mas que nunca podia te chamar de filho. E tudo isso… — minha voz falhou — Tudo porque a pessoa que mais deveria me amar me roubou isso.

Edward engoliu em seco, seus olhos suavizando.

— Esme…

Mas eu não conseguia parar.

— E sua mãe… minha própria irmã… Ela sabia! Ela me olhava nos olhos todos os dias, deixava que eu segurasse você no colo, que te acalentasse quando bebê, sabendo que, no fundo, eu nunca poderia ser sua mãe. Ela sabia, Edward.

As palavras eram como vidro quebrando dentro de mim.

— E ela nunca me disse.

Edward abaixou a cabeça, respirando fundo. E foi nesse instante que vi. O menino dentro dele. Meu bebê. O menino que cresceu em meio à rejeição, que nunca se sentiu realmente amado. Ele estava ali. E foi então que entendi.

— Você nunca realmente teve ninguém para chamar de pai — sussurrei.

Edward olhou para mim, sem negar. Meu coração apertou.

— Mas você passou anos sem ter uma mãe também, não foi?

E, por um momento, Edward não era mais um homem, graduado e com família. Ele era apenas um garoto. Um garoto a quem tantas coisas haviam sido negadas. Um garoto que deveria ter sido meu. Sem pensar, eu o puxei para um abraço.

Ele ficou tenso no começo, como se não soubesse o que fazer. Mas então seus braços me envolveram e Edward Cullen se permitiu ser abraçado por sua mãe. Porque, no fim das contas, era isso o que eu sempre fui.

Quando nos separamos, peguei seu rosto nas mãos e dei um beijo em cada bochecha. Era a promessa silenciosa de que eu voltaria.

O caminho de volta para casa foi um borrão. O ar parecia pesado, sufocante. E quando cruzei a porta, Carlisle ainda estava lá. Esperando por mim. Ele se levantou assim que me viu, o rosto exausto, marcado por culpa. Era o mínimo.

— Es…

Eu levantei a mão, interrompendo-o.

— Não me chame assim.

O silêncio caiu sobre nós como uma tempestade prestes a desabar. Eu soltei o ar, tentando manter minha voz firme.

— Eu fui enganada por você e pela minha irmã. Por quanto tempo você achou que poderia esconder isso? Por quanto tempo você achou que eu viveria essa mentira sem perceber?

Carlisle passou a mão pelo rosto, exausto.

— Eu nunca quis te machucar.

— Mas machucou!

Minhas mãos tremiam.

— Muito mais do que apenas dormir com a minha irmã, você me fez acreditar que eu tinha um casamento baseado na confiança. E, o tempo todo, você escondia de mim o que poderia ter sido a coisa mais linda da nossa vida. Edward deveria ter sido nosso filho, Carlisle! Você não entende? Você tirou isso de mim, tirou dele! Esse garoto deveria ter vindo morar conosco quando Elizabeth morreu, a vida dele seria tão diferente!

Ele fechou os olhos.

— Eu sei.

E, naquele instante, eu soube. Eu soube que nunca mais poderia olhar para ele da mesma forma. Porque a confiança, uma vez quebrada, nunca volta a ser inteira.

— Eu não sei se consigo te perdoar — sussurrei.

Carlisle abriu os olhos e, pela primeira vez, vi algo se partir dentro dele. E então, antes que ele dissesse qualquer outra coisa, eu me virei e subi as escadas. Eu não estava fugindo. Eu estava apenas iniciando um processo, me reconstruindo. E pela primeira vez em muito, muito tempo… Eu estava decidindo por mim.

O silêncio da casa nunca me pareceu tão grande. Desde que subi as escadas e fechei a porta do quarto atrás de mim, Carlisle não tentou me impedir.

Ele não bateu na porta. Não insistiu em explicações vazias. Não me implorou para ficar. E, talvez, isso tenha doído mais do que qualquer outra coisa. Eu queria que ele tentasse.

Mas a verdade era que havia coisas que palavras não podiam consertar. E a mentira que ele me fez viver por todos esses anos era uma delas.

Eu me deitei na cama, olhando para o teto, o peito pesado com tudo o que havia sido arrancado de mim. Eu passei minha vida inteira amando um menino que poderia ter sido meu, mas nunca soube disso. E agora que sabia, eu tinha que reconstruir o que havia sido quebrado.

No dia seguinte, quando acordei, eu sabia exatamente para onde precisava ir. Eu dirigi sem pensar, as ruas de Forks passando por mim como borrões cinzentos.

Quando parei diante da casa de Bella, hesitei por um instante. E se Edward não quisesse me ver? Mas então, a porta se abriu, e lá estava ele. Com Chloe nos braços. E, naquele instante, toda minha hesitação desapareceu.

Titi! — ela exclamou, quebrando qualquer tensão.

— Eu sei que pode ser tarde demais para tentar mudar as coisas, mas… eu precisava ver vocês.

Edward observou meu rosto por um momento, então olhou para Bella, que estava parada logo atrás dele. Ela assentiu levemente. Então, sem dizer nada, Edward deu um passo para o lado, abrindo espaço para que eu entrasse. Meu coração acelerou.

— Vem, titi, brincar de pônei — Chloe me chamou, desviando minha atenção.

E eu fui. Naquele momento, isso era necessário. Me perguntei se nossa aproximação teria sido forçada por Carlisle, em uma tentativa de amenizar sua culpa. Ele sabia da possibilidade de ela ser sua neta o tempo todo… Balancei a cabeça, me preocuparia com isso mais tarde.

Passar aquele tempo com Chloe foi como entrar em uma banheira quente depois de passar o dia em uma tempestade. Meu pequeno sol, como Bella a chamava, era a alegria das nossas vidas. Como ela me fazia feliz, tanto quanto o pai dela fazia.

Mas, eventualmente, a noite se aproximou e eu tive que encarar a realidade: retornar para casa.

Quando entrei, encontrei Carlisle sentado na sala, com um copo de uísque na mão. Ele levantou o olhar, e por um momento, ficamos apenas nos encarando.

Eu respirei fundo.

— Eu não sei se posso te perdoar.

Carlisle fechou os olhos por um segundo antes de assentir.

— Eu sei.

O silêncio se instalou entre nós. Então, finalmente, ele quebrou:

— Eu perdi você para sempre, Esme?

Eu queria responder. Mas a verdade era que eu ainda não sabia. Então, ao invés de dizer qualquer coisa, eu apenas subi as escadas e deixei Carlisle sozinho com sua culpa. Porque, dessa vez, ele precisava carregá-la sozinho.

Encarei o teto do quarto mais uma vez, sentindo o peso das últimas vinte e quatro horas. Edward ainda era o menino que eu criei como sobrinho, mas que amei como um filho. E agora, mais do que nunca, eu me perguntava: se as coisas tivessem sido diferentes… se Elizabeth tivesse me contado a verdade… Será que eu poderia tê-lo chamado de meu?

O som da chuva contra a janela me manteve acordada a noite inteira. O cansaço pesava sobre meus ossos, mas minha mente não me dava trégua. Tudo o que eu achava que sabia sobre minha vida, sobre minha família, havia se transformado em uma mentira bem contada. E a pior parte era que, agora que sabia a verdade, ela parecia um fantasma me assombrando a cada instante.

Quando desci para o café da manhã, Carlisle já havia saído. Talvez estivesse me dando espaço, ou talvez soubesse que, por enquanto, eu não queria olhar para ele.

Mas a verdade era que, mesmo sozinha, o ar dentro daquela casa parecia pesado demais para respirar. O meu lar não parecia mais com um. Então, sem pensar muito, peguei as chaves do carro e dirigi para o único lugar onde sabia que poderia encontrar algum conforto, por mais irônico que fosse.

Bella não pareceu surpresa ao me ver em sua porta novamente. Ela apenas sorriu levemente e me convidou para entrar. A casa estava silenciosa, exceto pelo som distante de Chloe brincando no quintal.

Sentei-me na cozinha, sentindo uma familiaridade estranha no ambiente.

— Edward saiu cedo, foi encontrar com Emmett e Rosalie para resolver algumas coisas do trabalho — Bella comentou, servindo-me uma xícara de chá.

Assenti, olhando para o líquido quente sem realmente vê-lo.

— Eu não vim por Edward — minha voz saiu baixa. — Eu só…

Parei, sem saber como terminar a frase. Mas Bella entendeu. Ela sempre entendia, aquela garota incrível. Suas mãos descansaram sobre a mesa.

— Foi uma mentira muito grande para carregar por tanto tempo.

Eu soltei uma risada amarga.

— E eu fui a tola que acreditou nela.

Bella balançou a cabeça.

— Não foi tolice, Esme. Você confiou neles. Eles são sua família. O mesmo aconteceu com Edward.

Família. A palavra queimou dentro de mim.

— Elizabeth era minha irmã — murmurei — E Carlisle…

Não consegui terminar a frase. A dor ainda estava fresca demais. Bella suspirou, tomando um gole do próprio chá antes de perguntar.

— Você pretende perdoá-lo?

Eu apertei a alça da xícara entre os dedos.

— Eu não sei.

Bella hesitou antes de continuar, como se escolhesse as palavras, e eu tomei a frente. O que eu precisava dizer era profundo, doloroso, mas precisava ser colocado para fora

— Eu nunca falei sobre isso com ninguém, Bella — disse suavemente — Carlisle e eu nunca tivemos filhos, como você sabe. Tivemos um momento de esperança, eu… eu engravidei uma vez, mas perdi o meu bebê. A perda de um filho é uma daquelas coisas que muda sua vida, nada nunca mais foi igual.

Eu fiz uma pausa, tentando organizar as ideias para não despejar muito sobre ela, e também porque essa ainda era uma ferida aberta para mim.

— E então, meses depois, Edward chegou. Ele era um bebê tão lindo, assim como Chloe é. Era parecido com Carlisle, sempre foi, mas eu acreditei que fosse porque era sobrinho dele. Deus, como fui burra. A verdade estava na nossa cara o tempo inteiro.

— Você não tinha como saber, Esme — ela interrompeu, tocando levemente minha mão — Ninguém sabia.

Sim, mas sabiam da possibilidade…

— Saber que ele teve um filho com outra pessoa já deixa um gosto amargo, mas saber que essa outra pessoa foi a minha própria irmã… É devastador, Bella. É como se ela tivesse dado a ele tudo que eu não pude — eu dei um gole no meu chá, deixando que Bella absorvesse minhas palavras — Se eles tivessem me contado, na época, acho que eu teria perdoado, sabe? Eu era tão jovem, apaixonada… E quando Edward perdeu a mãe, eu poderia ter sido a mãe dele. Eles me tiraram isso também.

Nós ficamos em silêncio por um momento, talvez esperando que as coisas voltassem a fazer algum sentido.

— Eu me sinto um pouco traída também, de certa forma. Minha filha tem o nome dela, sabe? E ele foi quem a trouxe ao mundo — ela riu, mas não havia humor algum ali — O que vai fazer agora?

Minha respiração falhou levemente. Essa era a grande questão, não era? A dor no meu peito se intensificou.

— Edward sempre foi como um filho para mim — minha voz tremeu — Mas agora, eu me pergunto… e se as coisas tivessem sido diferentes?

Bella não respondeu de imediato.

Mas então, com a suavidade de quem já havia sentido a dor de segredos devastadores, ela disse:

— Se as coisas tivessem sido diferentes, ele ainda teria sido amado por você. E isso é o que realmente importa.

Meu olhar encontrou o dela. E, pela primeira vez em dias, senti que talvez houvesse um caminho para seguir. Talvez eu ainda pudesse consertar as coisas.

E talvez, só talvez… eu ainda tivesse uma família para lutar.