Isabella
A madrugada se passou lentamente com banhos, medição de temperatura, medicação, trocas de roupa, muito colo e até mesmo permiti que Chloe assistisse desenhos na televisão do quarto, tudo em uma tentativa de acalmá-la até que dormisse, até que ela pediu para mamar.
— Nós já conversamos sobre isso, sole mio1. Você é uma menina grande, só pode tomar mamadeira agora. Vamos lá embaixo fazer uma? — tentei argumentar, mas ganhei choro e mãos tentando puxar minha blusa em retorno.
Eu ainda produzia leite, mas era pouco porque já tinha trocado pela mamadeira há algum tempo, principalmente para facilitar a logística e poder passar mais tempo longe de casa e da minha filha - não que eu gostasse dessa parte. Entretanto, meu corpo parecia ter aberto uma torneira quando ela começou a chorar e meus seios começaram a vazar.
Só podia ser piada.
— Tudo bem, tudo bem, mas só porque você está dodoi! — me dei por vencida e arranquei a blusa molhada, deixando que ela se aninhasse no meu peito. Argh, eu teria uma pilha de roupas para colocar na máquina de lavar quando amanhecesse.
Chloe me olhava com a expressão cansada, os olhinhos fundos, nós duas estávamos exaustas da noite, mas ela ainda não sabia me dizer se estava sentindo dor ou qualquer coisa que justificasse a febre, o que quebrava meu coração porque não havia muito que eu pudesse fazer.
Carlisle havia me orientado a só buscar atendimento médico no hospital se novos sintomas aparecessem ou a febre persistisse por mais que dois dias e, até lá, deveria cuidar em casa para evitar que a imunidade baixa trouxesse mais problemas.
Esse era mais um dos momentos em que eu sentia falta de ter um parceiro para me ajudar. Por mais que a família e os amigos se unissem, essa responsabilidade era só minha e eu jamais pediria que alguém passasse a noite em claro por mim.
Quando Chloe finalmente engatou em um sono de mais de quinze minutos, já se passavam das seis da manhã e o dia estava clareando. Programei um alarme no celular para dali uma hora, tentando pelo menos descansar pelo tempo que fosse possível. Seria um longo dia.
Não sei se perdi o despertador ou apenas desliguei e voltei a dormir, mas acordei com uma batida na porta, algumas horas depois.
— Bells? Posso entrar? — a voz do meu pai do outro soou do outro lado.
Obrigada, Deus, por meu pai ter noção e não abrir a porta sem perguntar, porque eu ainda estava nua da cintura para cima.
— Um minuto! — pedi e ajeitei Chloe na cama, rezando para que ela não acordasse, enquanto pegava mais uma blusa no armário — Entre.
— Bom dia… eu acho? — perguntou, abrindo a porta e vendo o caos lá dentro — O que aconteceu?
— Sua neta — apontei para a cama — passou a noite acordada e com febre. Sujou roupas de leite, de suor, causou bastante.
Depois de um sermão sobre como eu deveria pedir ajuda e parar de tentar lidar com tudo sozinha, Charlie finalmente chegou ao ponto que gostaria.
— Então, esperei todos saírem para falar com você à sós — ele era péssimo com palavras quando precisava falar de algum assunto sério, e esse parecia sério — Todos sabemos o que está para acontecer, com o… bem, você sabe. Eu queria que soubesse que nós estamos aqui. Sua família está aqui por você, independente das decisões que tomar daqui para frente, essa sempre será a casa de vocês duas e sempre terão para onde voltar.
— Pai… — tentei falar.
— Não, me deixa terminar, por favor. Esse cara vai voltar e se ele tiver qualquer pingo de educação, o que eu espero que tenha porque conheci a mãe dele, vai vir atrás de vocês. E quando vier, eu quero que tome a decisão que você achar ser melhor, entendeu? Mesmo que não seja o que eu ou Sue ou seus irmãos escolheriam, porque quando sua mãe se foi eu prometi a ela que cuidaria de você, e quando eu entrei em casa e vi você naquele chão entendi que havia falhado e não quero falhar de novo. Se por acaso as coisas derem errado, nós estaremos aqui. Eu estarei aqui todos os dias, certo?
Nós dois nunca tínhamos sido confidentes, mas eu sabia que Charlie era o meu lugar de volta. Ele não precisava dizer, isso já era do meu conhecimento. Assim como eu sabia que o sol nasceria no dia seguinte, sabia que ali era a minha casa.
— Eu sei — o puxei para um abraço, meio desajeitados — Obrigada, papai.
Ele tentava ser o melhor pai possível desde a morte da mamãe, e eu sabia que ele se culpava por todos os meus problemas, mas muitos - a maioria - eram causados por mim mesma e minhas escolhas. Não queria que nada disso fosse um sofrimento para ele. Eu queria que Charlie tivesse orgulho de mim.
— Vocês duas vão ficar bem hoje? — ele perguntou depois de um tempo.
— Acho que sim, depende de como ela vai acordar. Mas se algo acontecer, eu te aviso, fique tranquilo.
— Chame alguém para vir aqui, uma de suas amigas talvez? Pelo menos não fica sozinha — sugeriu — Acho que Sue deixou panquecas no forno, é só esquentar. Ligue no restaurante que alguém vem entregar o almoço.
Segui sua dica e, depois que ele saiu, mandei uma mensagem para Alice, minha melhor amiga. Ela prontamente aceitou o convite, avisando que chegaria em vinte minutos.
Chloe ainda dormia e eu não poderia deixá-la sozinha por muito tempo, mas aproveitei para organizar tudo que precisaria levar lá para baixo, planejando tomar um banho em algum momento próximo. Tinha certeza que até meu cabelo estava cheirando a leite, e bem azedo.
Antes que eu terminasse de juntar tudo e arrumar minimamente o quarto, a campainha tocou. Estranhei, mas a pessoa tocou tantas vezes que desci para ver o que era. Uma Alice parecendo um furacão entrou pela porta.
— Graças a Deus que você está aqui - ela disse.
— Alice, onde eu estaria? Não faz nem vinte minutos que nos falamos - eu estava confusa — Como você chegou tão rápido?
— Eu preciso de uma água, vou buscar na geladeira — saiu andando para dentro da casa.
— Alice, por partes. Por que você está nervosa? — perguntei quando estendi o copo na mão dela.
Alice era transparente, e nós éramos muito parecidas nisso. Nós nos conhecíamos desde a escola, com seus pais sendo donos de lojas de roupas em Forks e várias cidades próximas, e chegamos até a dividir um quarto quando fizemos faculdade em Tacoma. Ela esteve comigo durante todo o processo dos últimos anos e sabia muito bem como aquilo me afetava.
— Bem, Isabella, eu estava saindo da minha casa e você sabe que meus pais não estão na cidade, então planejei passar na loja, mas quando estava indo abastecer meu carro tive o desprazer de encontrar — fez uma pausa — Argh, não consigo nem dizer o nome daquele imbecil.
Ela não precisava nem completar a frase. Edward estava de volta.
— Você tem certeza? — perguntei.
— Ah, eu reconheceria aquele cabelo em qualquer lugar. Vejo com frequência, sabe? — piscou, em referência ao cabelo de Chloe — Falando nisso, como está minha princesa?
— Ainda dormindo, foi uma noite difícil. Você pode ficar com ela enquanto tomo um banho? — pedi e fui prontamente atendida pela baixinha.
Enquanto a água quente do chuveiro caía no meu corpo, tentei pensar no que faria. Nos últimos dias, minha cabeça estava em todos os lugares possíveis menos ali. Era uma maneira de não enlouquecer, mas a hora estava chegando. Tic-tac. Edward Cullen estava na cidade e em breve seria impossível impedir um encontro - e em uma cidade desse tamanho, não havia para onde fugir.
Meu coração acelerava só de pensar que ele poderia se aproximar para conhecer Chloe. Ele podia ser advogado, com habilitação para atuar em dois países, e rico - mais ainda agora com a morte do pai e sendo o único herdeiro - mas ela era minha. Ele havia negado qualquer direito sobre ela quando optou por não ser pai. Quando não participou de nenhum momento importante. Quando nunca perguntou sobre ela. A possibilidade de que ele poderia estar vindo para tirá-la de mim fazia meu corpo inteiro tremer. Se ele atacasse, eu estaria pronta para a guerra.
Fechei o registro ouvindo a voz infantil do meu bebê no quarto, que contava de forma confusa para a tia sobre os sonhos da noite. Que bom que alguém conseguiu dormir, pensei enquanto me enrolava no roupão.
— Mamãezinha! — ela gritou da cama e abriu os braços quando me viu. Nem de longe parecia a criança com febre de horas atrás — Mamá.
Ah, é claro que ela não esqueceria. Meus seios pesados de leite agora também não esqueceram.
— A titia faz uma para você, amor. Vamos lá embaixo enquanto a mamãe se arruma?
— Nãããão titi, quero o da mamãe.
Ganhei um olhar confuso de Alice. Lidaria com isso mais tarde.
— Sole, o que nós conversamos? Meninas grandes só tomam mamadeira. Ontem foi uma exceção porque você estava dodoi, não posso dar agora.
Chloe fez um bico em protesto, mas não reclamou. Eu tive muita sorte de ter um bebê calmo. Ela aceitou descer com Alice, que prometeu deixá-la ajudar a fazer panquecas. Aproveitei para pentear o cabelo molhado e trocar de roupa, pensando em como distrair uma criança dentro de casa o dia todo.
Mas pensar nela me levou de volta a Edward. Eu não precisava vê-lo novamente para saber que ainda o amava. Por mais ferida que estivesse, eu ainda o amava muito. Era meio patético, na verdade. Não tinha nada a ver com aquela bobagem de não esquecer um primeiro amor, era muito mais que isso. Eu era uma mulher adulta, que terminou a faculdade grávida e abandonada pelo pai da criança, mas parte de mim ainda não acreditava que o Edward que eu amava fosse capaz de nos apagar de sua vida de maneira tão dura.
Suspirei olhando a foto no bloqueio de tela do meu celular, eu e Chloe em seu aniversário, tentando me lembrar que as coisas eram exatamente como eram. Ele não me amava, talvez nunca tivesse amado, e eu precisava voltar para a parte certa da minha vida, que me esperava lá embaixo.
1 Meu sol, em italiano.
