Santuário – Casa de Virgem
Atenas - Grécia
01:36 PM
O templo era um refúgio de silêncio e contemplação, um contraste gritante com a tempestade que Mulder carregava dentro de si. Ele não sabia exatamente como foi parar ali. Apenas caminhou. Longe do chalé, longe do olhar dela, longe de si mesmo. A luz do meio-dia entrava suavemente pelas colunas douradas da Casa de Virgem. O ambiente era fresco, e o aroma discreto de incenso pairava no ar, mas nada disso lhe trazia conforto.
E então, Aldebaran apareceu.
O cavaleiro de Touro surgiu de um dos corredores internos, um pano nas mãos, aparentemente vindo de cuidar de Mu. Quando viu Mulder ali, de pé no meio do salão, franziu a testa, mas logo um sorriso de canto apareceu em seu rosto.
"Agente Mulder." Ofereceu seu sorriso mais calmo "Parece que está precisando de um tempo."
Mulder bufou, cruzando os braços. "Ou de uma lobotomia."
Aldebaran riu. "Bom, dependendo da intensidade do problema, a segunda opção pode ser melhor."
O agente passou a mão pelo rosto, exausto. "Eu não sei nem por que estou aqui."
"Eu sei." A voz tranquila de Aldebaran não era acusatória, apenas um espelho da verdade. "Você tá fugindo."
Mulder não respondeu.
O cavaleiro de Touro suspirou, largou o pano sobre uma mesa de madeira e indicou um banco de pedra próximo à fonte que decorava o salão. "Senta aí."
O agente hesitou, mas cedeu. Sentou-se pesadamente, como se o próprio corpo estivesse sendo esmagado pelo peso dos próprios pensamentos.
"E então? Vai me contar ou vai me fazer adivinhar?" Aldebaran perguntou, sentando-se ao lado dele.
Mulder passou as mãos pelos cabelos, a mandíbula travada. "Eu sou um covarde, Aldebaran."
O cavaleiro ergueu as sobrancelhas, mas permaneceu em silêncio, esperando que ele continuasse.
"Eu... Eu queria. Mas não consegui." A voz dele saiu baixa, carregada de frustração. "E agora... eu não sei mais o que fazer."
Aldebaran inclinou a cabeça. "Você queria e não conseguiu... o quê?"
Um silêncio pesado caiu entre os dois.
Aldebaran respirou fundo. "Entendi."
O agente soltou uma risada curta e sem humor. "Será que entendeu mesmo?" Ele virou-se para encará-lo. "Eu tive a chance. Eu podia ter ido em frente e tomado o que eu... quero há tanto tempo." Ele balançou a cabeça. "Mas eu congelei como um idiota."
Aldebaran cruzou os braços, estudando o homem à sua frente. "E por quê?"
Mulder fechou os olhos por um instante antes de encará-lo novamente. "Porque se eu fizesse isso... eu nunca mais conseguiria voltar."
O cavaleiro de Touro assentiu lentamente.
"Mulder, me responde uma coisa. Você não cruzou essa linha porque tem medo de perder o que vocês já têm... ou porque tem medo de não dar conta?"
O agente não respondeu de imediato.
Aldebaran sorriu de leve. "Sabe... o problema de quem pensa demais é que acaba perdendo tudo enquanto fica calculando riscos."
Mulder bufou, encarando o chão. "Ótimo. Então eu sou um idiota."
"Você só tá assustado."
O silêncio caiu entre os dois mais uma vez. Mas então, outro som se fez presente.
"Parece que temos um visitante inusitado."
A voz calma e controlada veio de um dos corredores internos. Mu de Áries estava ali, parado na entrada, os olhos suaves, mas atentos.
Mulder ergueu a cabeça. "Você acordou."
Mu deu um meio sorriso. "Graças a Aldebaran. Acho que eu acabei com o Shaka..."
Aldebaran riu. "Ele acordou faz pouco tempo, mas já ouviu tudo."
Mulder massageou as têmporas. "Ótimo, agora tenho dois cavaleiros sabendo que sou um desastre emocional."
Mu se aproximou devagar, sentando-se de frente para os dois. "Não é um desastre, agente Mulder. É humano."
O agente soltou um riso sem humor. "Diga isso para a mulher que acabei de deixar na mão."
Mu inclinou a cabeça. "E se eu dissesse que talvez ela esteja na mesma situação que você?"
Mulder piscou. "O quê?"
Mu não respondeu imediatamente. Seus olhos se tornaram mais distantes por um instante, como se buscasse algo além da visão normal.
"A energia dela..." ele começou, "está diferente."
Aldebaran franziu a testa. "Diferente como?"
Mu passou a língua pelos lábios, escolhendo as palavras. "Não consigo dizer assim...primeiro veio um pico de cosmo..." Mu percebeu os olhares curiosos de Aldebaran e Mulder "O que? Todos tem cosmos, uns mais outros menos." Mordeu a ponta do polegar, um gesto nervoso "Depois terminou. Mas não sei..."
Mulder sentiu um arrepio.
"Isso pode ter a ver com a substância da vacina?" Ele perguntou, sentindo a espiral de possibilidades dentro da própria mente. Aquela droga de vacina, será que envenenou Scully? Era tudo culpa dele.
Foi então que Shaka entrou na sala. Aldebaran e Mu o olharam rapidamente, percebendo que o cavaleiro de Virgem ainda estava exausto, mas seus olhos estavam claros e firmes.
"Eu ouvi tudo." Ele disse calmamente. "E eu preciso dizer... que Mu não está errado."
O agente piscou. "O quê?"
Shaka aproximou-se, sua presença carregando um peso diferente. "Alguma coisa está diferente por aqui. Não sei o que é mas..." Sacudiu de leve a cabeça, como se quisesse espantar maus pensamentos "Agente Mulder, para nós que transitamos mais em outros planos não é difícil sentir o que existe entre você e a agente Scully."
"É muito difícil ignorar mesmo." Mu adicionou, corando um pouco.
"Não é só desejo, agente Mulder." Shaka continuou. "É um laço muito mais profundo do que você imagina. Penso que uma vez que ele for selado... ele nunca mais poderá ser desfeito."
Aldebaran olhou de canto para Mu, que parecia considerar aquelas palavras com um peso maior do que o esperado.
Mulder sentiu um frio na espinha.
"E se eu não estiver pronto?" Ele perguntou, a voz mais baixa do que gostaria.
Shaka sustentou seu olhar.
"Então se afaste. Porque se continuar, uma hora vai ser tarde demais."
Mulder prendeu a respiração. Porque no fundo, ele sabia.
Talvez já fosse tarde.
xXx
A subida foi longa. Mulder podia sentir o peso da caminhada nos músculos das pernas, mas a verdade era que não estava cansado. Pelo menos, não fisicamente. A conversa na Casa de Virgem ecoava em sua mente.
"Se continuar, uma hora vai ser tarde demais."
Ele não sabia o que era pior: Shaka estar certo ou ele já saber disso e não fazer nada.
Quando finalmente alcançou o chalé, respirou fundo antes de abrir a porta.
Ele não sabia o que esperava encontrar, mas quando entrou, o impacto veio de imediato.
Ela estava lá.
Scully apenas olhava para o vazio, os olhos fixos num ponto qualquer da parede. E então, como se tivesse sentido sua presença, ela piscou e levantou o olhar.
Não sabia explicar, mas... ela não era a mesma mulher que viu pela manhã.
Scully desviou o olhar primeiro, e isso foi o suficiente para que Mulder soubesse: ela estava se escondendo.
A tensão ficou espessa no ar, quase palpável. Ele fechou a porta atrás de si e deu dois passos para dentro.
"Você está bem?"
A pergunta soou pequena demais para tudo que ele queria saber.
Scully piscou, como se voltasse ao presente "Sim."
Mulder arqueou uma sobrancelha.
"Tem certeza?"
"Tenho." A voz dela saiu baixa, como se dissesse mais para si mesma do que para ele.
Mulder inclinou a cabeça, cruzando os braços.
"Aonde foi?"
Ela desviou o olhar "Por aí."
"Pra respirar."
Ela ergueu os olhos para ele de novo. Desta vez, sustentou.
"Sim."
O silêncio se instalou entre os dois. Ele podia perguntar, queria perguntar, mas... e se não gostasse da resposta?
Mulder umedeceu os lábios.
"Bom." Sua voz soou mais áspera do que pretendia. "Amanhã cedo você viaja de novo."
"Sim."
Mulder passou a mão pelos cabelos. "Preciso saber de uma coisa."
Ela engoliu em seco. "O quê?"
Ele deu um passo para mais perto, reduzindo um pouco a distância.
"Se eu dissesse que quero ir com você... você deixaria?"
O silêncio que veio depois foi ensurdecedor.
Os olhos dela brilharam por um instante. E então, ela desviou o olhar.
"Mulder..."
Ele sentiu tudo desmoronar antes mesmo que ela terminasse a frase.
"Não."
Não era um pedido. Era um limite, e ele percebeu.
Ela estava fugindo. Não dele, mas dela mesma. Lembrou-se do que Mu disse. Ela poderia estar na mesma situação que ele.
"Certo." A voz saiu fria. Mais fria do que ele queria.
Scully apertou os olhos, como se aquilo a machucasse, mas não disse mais nada.
Ele sentiu a frustração subir, queimando.
"Bom, espero que Kanon seja uma boa companhia."
Dessa vez, ela endureceu.
"O que isso quer dizer?"
"Nada." Ele soltou um riso sem humor. "Só que pelo jeito, vocês trabalham muito bem juntos."
O brilho de raiva voltou aos olhos da agente.
"Você não tem direito de dizer isso."
Ele deu de ombros "Tem razão."
Scully inspirou fundo e deu as costas, entrou no quarto e fechou a porta, numa clara tentativa de evitar uma nova escalada naquele clima que só pesava toda vez que conversavam ultimamente.
Ele ficou ali, parado, olhando a porta fechada.
E então, sozinho na sala, afundou-se no sofá, a cabeça pesando nas mãos. – Droga, DROGA!
xXx
Santuário – Penhascos de Sagitário
Atenas – Grécia
16:12 PM
O vento rugia forte no alto do penhasco. A vista dali era absurda – o mar se estendia até onde os olhos podiam ver, o sol começava a inclinar-se no horizonte, banhando as águas em tons de ouro e cobre.
Mas Kanon não via nada disso. Seus punhos estavam cerrados ao lado do corpo, a mandíbula travada, o peito subindo e descendo em um ritmo pesado demais para alguém que apenas… pensava.
Pensava no toque dela. No sabor que queria ter provado. No fogo que não era dele, mas que o queimou até os ossos.
Poseidon.
Ele fechou os olhos com força, inspirando fundo. O vento bateu contra ele, sacudindo os cabelos escuros, mas nada o fazia esfriar.
Aquele maldito dentro dele queria Scully, e teve a audácia de se manifestar para isso.
A risada saiu seca, carregada de fúria. Mas que inferno de vida! Passou as mãos pelos cabelos, sentindo o ódio crescer no peito.
Não bastava ter roubado sua vida uma vez? Não bastava ter condenado sua existência? Agora ele queria mais?
Queria ela?
Foi então que sentiu uma presença se aproximando. Ele não precisou se virar para saber quem era.
Camus de Aquário parou a alguns passos dele, silencioso. O olhar azul gélido pousou sobre Kanon, analisando. Kanon não olhou para ele.
"Veio me seguir, Aquário?"
Camus cruzou os braços, o vento sacudindo-lhe os cabelos.
"Não." A voz dele veio tranquila, mas firme. "Mas você está tão perturbado que é impossível não sentir."
Kanon riu, seco.
"Ah, então estou vazando emoção? Isso é novo."
Camus estreitou os olhos.
"Não é emoção." Ele inclinou a cabeça. "Diabos, Kanon, você sabe muito bem o que é."
Kanon fechou os olhos. Droga. Camus percebeu.
"Eu vi o jeito que você olhou para ela na reunião."
Foi um golpe direto. A expressão de Kanon endureceu.
"Vai querer cuidar da minha vida agora?"
Camus ignorou a provocação.
"Longe de mim. Mas você claramente não está no controle, isso não é brincadeira e você sabe."
Kanon soltou um riso curto, carregado de ironia.
"Engraçado." Ele virou-se de leve, finalmente encarando Camus. "Eu costumava achar que você não se importava com mais nada além de sua lógica perfeita e sua obsessão com gelo."
Camus não recuou.
"Você sempre foi um idiota."
O sorriso de Kanon aumentou, mas seus olhos estavam afiados.
"Você realmente acha que pode me dizer qualquer coisa, não é, Aquário?"
Camus apenas o encarou. E então, sem aviso, ele deu um passo à frente.
"Eu vejo você, Kanon."
O sorriso do gêmeo morreu.
"O que diabos isso significa?"
Camus cruzou os braços.
"Você sempre atuou bem. Sempre soube manipular, esconder, enganar. Até mesmo depois de redimir sua lealdade, nunca deixou ninguém ver o que realmente se passa dentro de você."
Kanon sentiu o peito apertar, mas sua expressão permaneceu impassível.
"E daí?"
"Daí que você sabe muito bem que não vai conseguir dominar isso sozinho."
O silêncio entre os dois foi cortante. Kanon respirou fundo, tentando acalmar a fúria irracional que crescia dentro dele.
Mas Camus percebeu.
"Foi -Ele-, non?."
O sangue de Kanon gelou. Ele arregalou os olhos, e então disfarçou com um riso fraco.
"Você realmente acha que eu permitiria isso?"
Camus manteve o olhar firme.
"Eu acho que você não teve escolha."
Kanon cerrou os punhos.
"Eu posso contra Ele."
Camus inclinou a cabeça de leve.
"Já perdeu antes, o que acha que mudou?"
Os olhos de Kanon escureceram. Scully. Pensou nela, no olhar perdido, no fogo desesperado que exalava dela, na forma como algo nela o chamou. Ele nunca sentiu isso antes.
Aquele maldito sentiu, e agiu. Desgraçado. Mas por ela...
"Eu não sei." Ele admitiu, a voz grave.
Camus assentiu.
E então, sua voz veio mais baixa.
"Você tem medo."
Kanon travou, mas não negou. Camus se aproximou mais um passo.
"Eu não sou seu amigo, Kanon." Ele falou sem rodeios. "Nunca fomos próximos. Mas se chegamos vivos até aqui, que não deixemos acontecer de novo coisas que sabemos que não vamos poder conter mais uma vez. Acredite em mim quando digo que te vejo, e te entendo também."
Kanon não queria admitir, mas algo na voz de Camus o atingiu de um jeito estranho. Como se, pela primeira vez, alguém realmente entendesse.
Camus suspirou, cruzando os braços.
"O que você vai fazer?"
Kanon desviou o olhar para o horizonte, o sol já mais baixo no céu.
"Eu não sei."
Camus não desviou os olhos. E então disse, com uma calma afiada como uma lâmina:
"Você precisa impedir Ele."
Kanon sabia exatamente de quem falava. Seus olhos brilharam com fúria contida.
Camus continuou.
"Seja lá o que estiver acontecendo, você não pode permitir que Ele cause qualquer dano à Dana Scully."
O nome dela pairou entre eles, carregado de peso e significado. A respiração de Kanon ficou mais lenta. Mais pesada.
Porque realmente não era só Poseidon. Ele sabia que não era só o Deus dentro dele que a desejava.
Camus inclinou a cabeça de leve, observando a batalha interna que se refletia nos olhos do outro.
"Venha comigo."
Kanon franziu o cenho. "Para onde?"
Camus deu meia-volta, já começando a caminhar de volta ao Santuário.
"Para a Ágora."
O silêncio durou apenas um segundo. Então Kanon o seguiu rumo à ajuda que jamais admitiria que precisava.
TO BE CONTINUED...
