Fundação Graad
Tóquio, Japão
06:38 AM (horário local)

O silêncio da sala de pesquisas pesava, quebrado apenas pelo zumbido dos monitores e pelo som ritmado do teclado de Kanon.

Scully piscou devagar, tentando focar. As palavras na tela estavam se embaralhando. Ela sabia que precisava continuar, organizar os relatórios, revisar os dados mais uma vez antes de pegarem o voo de volta ao Santuário, mas seu corpo começava a falhar. A exaustão não era só física, era algo mais profundo, uma fadiga mental que ia além das horas sem dormir.

E então, sem perceber, seus olhos simplesmente fecharam.

Ela não sabia por quanto tempo ficou assim, meio consciente, meio apagada, até sentir um toque leve em seu ombro.

"Agente Scully."

A voz de Kanon veio perto, baixa, grave, carregada de algo indefinível.

Ela abriu os olhos num sobressalto. Kanon a observava com aquele sorriso de canto, quase divertido, quase cúmplice, quase outra coisa. Droga. Mais um quase.

"Você apagou por um instante."

Scully esfregou o rosto, respirando fundo. "Não apaguei."

"Claro que não." Kanon se apoiou na mesa, o olhar brilhante demais, estudando-a. Meio felino, aquele rapaz não era como nada que ela já tenha conhecido.

O peso da atenção dele caiu sobre ela, e Scully sentiu.

Sentiu o cansaço tornando tudo mais difícil de ignorar.

Kanon não se parecia fisicamente com Mulder. Mas a presença dele lembrava demais. O jeito de pensar, o ceticismo afiado, a provocação controlada. A diferença era que Kanon não tinha barreiras. Não havia uma linha invisível segurando seus movimentos, suas palavras. Se quisesse, ele avançaria. E ela sentia isso.

O pior? A sensação de perigo não era incômoda. Era viciante. Era fácil.

Fácil demais imaginar.

Mulder nunca esteve tão perto, nunca houve tanta proximidade sem que algo os separasse. Com Kanon não havia freios, apenas uma tensão que se formava sem resistência, sem impedimentos, sem...

Droga. Droga.

Ela se mexeu de repente, afastando a cadeira, quebrando o momento. "Preciso de café."

Kanon não disse nada, apenas se recostou, os olhos dançando sobre ela com um brilho de quem entendeu cada detalhe do que se passou ali. Mas ele também sabia quando recuar.

Quando ela se levantou, ele sorriu, como quem desfaz um nó invisível no ar. "Café. Ótima ideia, mas eu faço. Você só precisa não desmaiar antes do voo."

Scully forçou um meio sorriso. E então, o momento se dissipou. Mas não sem deixar um vestígio incômodo no fundo da mente dela.

Mais um quase.

E ela estava cansada desses 'quase'.

xXx

Santuário – Salão do Grande Mestre
Atenas - Grécia
03:13 PM

Saori segurava um copo de chá entre as mãos, mas o líquido já estava frio. Ela nem percebeu. Sua mente estava dividida entre a reunião e o templo de Atena, onde Saga permanecia inconsciente, exausto pela travessia astral. Estava sentada no lugar de sempre, a postura ereta, a expressão serena, mas qualquer um com olhos atentos perceberia que ela estava aflita.

Camus, do lado oposto da mesa, percebeu. Ele nunca fora do tipo que demonstrava suas emoções de forma evidente, mas seu olhar estava muito atento a cada movimento da deusa.

Deixá-la ali, longe de Saga, enquanto ele ainda estava ferido, era um desafio para ela. Camus sabia disso. E sabia que, se não estivesse ali, ela já teria ido embora há muito tempo.

Do outro lado, Aldebaran e Shura estavam atentos, enquanto Aiolia, Camus e Milo se acomodavam ao redor. Mulder sentou-se ao lado de Aiolia, claramente inquieto, pronto para absorver qualquer informação que pudesse ajudá-lo a entender a situação.

Saori pigarreou, chamando a atenção de todos.

"Saga e Mu passaram as últimas vinte e quatro horas em um estado de projeção astral. Foi um processo extremamente perigoso, mas necessário. Eles conseguiram rastrear a criatura."

Mulder imediatamente se endireitou na cadeira. "E onde ela está?"

Saori hesitou um instante antes de responder.

"Sibéria. Ou pelo menos... esteve lá por algum tempo."

Camus cruzou os braços. "Sibéria? É um local estrategicamente complicado. Qualquer movimentação ali pode ser confundida com ações militares."

Mulder voltou dois passos, só agora assimilando um certo detalhe.

"Espera... projeção astral? Quer dizer que eles saíram... do corpo?"

Aiolia deu um meio sorriso. "De um jeito bem mais complicado do que parece."

Mulder olhou para os rostos ao redor da mesa, percebendo que ninguém parecia achar aquilo absurdo.

"E isso é... normal pra vocês?"

Milo riu. "O normal dentro do Santuário é relativo."

Camus, mais sério, olhou para Mulder diretamente. "Saga e Mu não apenas usaram projeção astral. Eles tiveram que percorrer dimensões alternativas, seguindo rastros de energia cósmica quase imperceptíveis. Não é como olhar um mapa. Eles praticamente tiveram que atravessar o próprio espaço-tempo para encontrar esse rastro."

Mulder respirou fundo. "Isso não pode ser seguro."

"Não é," Camus respondeu, impassível.

Aldebaran, que até então ouvia com atenção, interveio. "O que eles fizeram teve um custo. Saga mal consegue permanecer consciente, e Mu só não está no mesmo estado porque Shaka está cuidando dele."

Saori apertou os lábios, seus olhos umedeceram, traindo a segurança e autoridade que queria transmitir. "Foi necessário."

Mulder observou a deusa por um instante. O peso da decisão dela estava tatuado em sua expressão, mesmo que ela tentasse esconder.

"E o que exatamente encontraram?"

Saori inspirou fundo antes de falar. "A criatura está fugindo."

A palavra fez Mulder franzir a testa.

"Criatura?" Ele se inclinou um pouco para frente. "Mas estamos falando de uma nave, certo?"

Houve um breve silêncio. Os cavaleiros trocaram olhares.

Aiolia coçou a nuca. "Não exatamente."

"Não é uma nave," disse Camus. "Pelo menos, não no sentido convencional."

Mulder franziu ainda mais a testa. "Ela se move. Ela se desloca. Ela voa. Como isso não é uma nave?"

Aldebaran foi quem respondeu dessa vez. "Porque ela não precisa de combustível, nem de propulsão mecânica. Ela simplesmente existe e se move por conta própria."

Milo inclinou-se para frente, apoiando os cotovelos sobre a mesa. "Mulder, você está pensando nisso como um agente do FBI. Mas estamos lidando com algo... vivo."

Mulder passou a mão pelo rosto, tentando reorganizar os pensamentos. "Então o que diabos é isso?"

"Definitivamente uma entidade," disse Saori.

Mulder riu, sem humor. "Isso não explica muito."

"O que Saga e Mu encontraram foi um ser que tenta escapar de algo," continuou Saori. "Ele parece estar perdido. Ou talvez esteja apenas tentando encontrar um refúgio."

Mulder absorveu a informação em silêncio.

"Seja o que for, os governos sabem que essa coisa tem valor," ele disse, enfim.

Camus assentiu. "Com certeza. Mas o que eles não sabem é como capturá-la. Pelo menos... ainda não."

Milo suspirou. "E essa é a parte ruim. Uma coisa é tentar se esconder de humanos comuns. Outra coisa é tentar fugir de humanos que já sabem um pouco sobre forças que eles não deveriam mexer."

"Ou que não sabem o suficiente," completou Aiolia.

Aldebaran cruzou os braços. "Se esse ser for realmente tão poderoso quanto parece, então o risco é ainda maior. Qualquer erro pode acabar liberando algo que não podemos conter."

Mulder sentiu um frio na espinha. Ele já tinha lidado com forças fora do controle humano antes. Mas nunca esteve em um mundo onde o impossível parecia ser apenas rotina.

Ele respirou fundo. "E o que fazemos agora?"

Saori fechou os olhos por um instante. Quando os abriu, sua decisão já estava tomada.

"Esperamos. Hoje à noite, Kanon e Scully estarão de volta. Precisamos ver o que eles têm a nos dizer antes de agir."

xXx

Santuário – Heliporto
Atenas - Grécia
10:38 PM

A noite estava limpa, o vento soprava levemente no topo do santuário quando as luzes do helicóptero riscaram o céu escuro. Shura estava com os braços cruzados, olhando para Mulder de canto. O agente não piscava. Desde que o helicóptero surgiu no horizonte, seu olhar estava fixo, frio, inexpressivo para qualquer um que não soubesse o que estava olhando.

O vento ficou mais forte conforme a aeronave pousava, os holofotes do santuário iluminando a cena. A porta lateral se abriu e Kanon saltou primeiro, ágil como sempre, a expressão serena e calculada. Mas Shura viu o momento exato em que os olhos dele deslizaram rapidamente para Mulder, analisando tudo. E então, Scully desceu.

O impacto foi instantâneo.

Ela estava exatamente como Mulder a imaginou nos últimos dois dias em todos os cenários loucos que criou na própria cabeça: Exausta. Bagunçada. Linda.

Só não contava com aquele olhar fugidio nela, como se não quisesse ser vista. Ou decifrada. O olhar dela cruzou com o de Mulder por um segundo a mais do que deveria, até desviar rapidamente.

Kanon percebeu, e foi rápido.

"Boa noite, agente Mulder." A voz dele soou relaxada mas para Mulder era provocativa de um jeito, fez pensar que não era sem motivo.

"Boa noite." Ele respondeu, a mandíbula travada.

Shura interveio. "Vocês tiveram uma viagem produtiva?"

Scully pigarreou, ajeitando a alça da mochila no ombro. "Sim, conseguimos bastante coisa."

"Vocês estão um caco," Shura notou. "Melhor irmos, vou levar vocês até o chalé. Precisamos todos descansar, os dias foram longos."

Kanon tinha um sorriso entre curto e fácil no rosto. Mulder desejou subitamente ter poderes sobre humanos, só para poder arrancar fora aquele sorriso no soco.

Scully apenas soltou um suspiro cansado.

"Vamos, Shura..." ela murmurou.

Antes de Scully se afastar completamente, Kanon pousou a mão no ombro dela. Um toque leve, íntimo o suficiente para fazer Mulder querer atravessar o maldito heliponto e arrancar aquele braço do lugar.

"Agente Scully." A voz de Kanon veio baixa, quase um segredo. "Se precisar de qualquer coisa..."

"Eu sei."

"Boa noite."

Ela hesitou. "Boa noite, Kanon."

Mulder trincou os dentes. Shura decidiu que por hoje chegava.

"Agente Mulder, vamos. Kanon, amanhã cedo conversamos."

Kanon assentiu devagar, ainda sorrindo.

"Claro. Boa noite pra vocês." E foi embora.

Mulder apertou o passo, caminhando a frente. Shura pôde jurar que o ouviu respirar fundo, como se tentasse conter algo que estava prestes a explodir.

xXx

Santuário – Chalé de Capricórnio
Atenas - Grécia
10:59 PM

Shura não fez questão de ficar nem mais um segundo na companhia daqueles dois, uma dor de cabeça fina já tomava conta do cavaleiro, de tanta tensão.

Nem bem se despediram, Mulder entrou primeiro no recinto, sem olhar para trás. Scully olhou incerta para a porta aberta mas por fim entrou. Mulder passou por ela e a fechou, batendo-a sem querer.

Scully não se sentia preparada, mas se virou.

Mulder estava ali, no meio da sala, olhando como se quisesse queimar um buraco através dela. A agente se preparou mentalmente para... qualquer coisa. Não sabia. Mulder tinha os olhos faiscando.

"Por que você fez isso? Faz ideia de como fiquei preocupado com você viajando por aí, com tudo que está acontecendo?"

Scully respirou fundo.

"Mulder..."

"Não, sério." Ele ergueu uma mão, cortando a desculpa antes que ela viesse. "Como você viaja e não avisa?"

Ela cruzou os braços. "E como eu ia te avisar? Você simplesmente desapareceu."

"Ah, então é assim que funciona?" Ele riu sem humor. "Você acha que dois errados fazem um certo?"

"Não, Mulder, eu só acho que você está exagerando-"

"Exagerando?" Mulder se aproximou, sem perceber fechando o espaço entre eles "Você resolve viajar sozinha com um completo desconhecido, para um lugar que nem consta no mapa... qual é, Scully? Conheceu esse cara anteontem e já estamos assim, à vontade?"

Scully avermelhou, se de vergonha ou de raiva, não se sabe.

"O que exatamente você está insinuando?"

"Você me diz."

Ela arqueou uma sobrancelha. "Você quer saber o que aconteceu no Japão?"

Ele encarou os olhos dela, notando a íris azul quase eclipsada de negro.

"Quero."

Dessa vez foi ela quem reduziu ainda mais o espaço entre os dois. A voz dela veio baixa.

"Então pergunta direito, Mulder. Vai direto ao ponto. O que é que você quer tanto saber?"

"Você..." Ele umedeceu os lábios. "Você e o Kanon..."

Ela esperou. Dava pra ouvir as respirações dos dois na sala silenciosa. E então, ele não conseguiu terminar a frase.

Ela baixou o olhar, sem querer pousando no peito do parceiro. Ele praticamente arfava, deviam estar patéticos daquele jeito, naquela situação. Deu meio passo para trás.

"Você não consegue, não é?"

Ele passou a mão pelo rosto, exasperado, dando ele mesmo um passo pequeno fora do espaço minúsculo que criaram.

"Eu só..." Ele olhou pra ela, o olhar de um homem que estava perdendo completamente o controle de algo que nem sabia que tinha.

E então, contra todos os seus melhores conselhos, ele avançou.

Ela não recuou, como se desafiasse o ímpeto dele. Não pôde evitar de tremer um pouco com a nova proximidade. Os olhos dela pousaram na boca dele.

Os dele caíram na dela.

Grande erro. O agente sentia o calor do corpo dela, o perfume já muito leve depois de tanto tempo viajando. Aquele calor estava fazendo ele mesmo pegar fogo. Sentiu que ela não iria se mover de forma alguma, que ela esperava qualquer coisa dele. Era só mais um centímetro, um movimento mínimo.

E então, ele virou de costas e saiu, deixando a porta da frente novamente aberta.

Scully fechou os olhos. Soltou a respiração que nem sabia que esteve prendendo. Resignada e trêmula, foi até a porta e a fechou. Ficou ali, na porta fechada, ainda com a mão na maçaneta, sentindo a madeira fria sob os dedos.

—O que foi isso? O que diabos foi isso?!

Ela passou a língua pelos lábios secos, sentindo a pele formigar. O corpo ainda lembrava a proximidade, o calor, o cheiro dele. Ela apertou os olhos fechados. —Droga. Droga.

Respirou fundo, tentando se acalmar. Era sempre assim, -quase-, o tempo inteiro -quase- alguma coisa.

Ela não sabia o que era pior. O fato de não terem cruzado a linha, ou o fato de que se tivessem, seria ainda mais destrutivo. Levou a mão à testa, massageando a têmpora.

Não. Não dava pra pensar nisso agora. Se virou e foi direto para o quarto.

Como dormir depois dessa?

TO BE CONTINUED...