A luz timidamente atravessava as persianas branco gelo do quarto de Hinata. Estava frio, um clima que implorava por cama quentinha até as 9 da manhã. Hinata se remexia preguiçosamente entre as cobertas até que o alarme toca. Ainda envolvida pelo sono, a Hyūga se desfez do edredom e sentou na cama, espreguiçando-se enquanto os pés procuravam as pantufas macias de cor rosa bebê. Hinata ainda não ousara contemplar o início da manhã, fora andando até o banheiro de olhos fechados, coçando a barriga esguia e bocejando.

Somente ao ligar a luz do banheiro que a jovem se viu obrigada a forçar seus olhos a abrirem. Reuniu toda a coragem que tinha e tomou um banho rápido pois a água estava tal qual gelo. Já no quarto e parcialmente desperta, a garota estava ponderando sobre as vestes que iria escolher. A sua missão não exigia que se usasse um fardamento específico, deixando a seu critério a escolha da vestimenta.

Pegou do guarda roupa um macacão jeans azul que ficava um pouco folgado em si e uma regata branca com mangas. Para os sapatos, ela decidiu usar um sapato fechado de cadarço — presente que havia ganhado de Hanabi.

Enquanto penteava os fios longos, Hinata se deu conta do diário que Kakashi havia lhe dado para relatar a evolução de Sasuke e instintivamente aquilo lhe deu uma ideia. Algo que poderia ajudar no seu progresso com o Uchiha.

Pegou o pequeno item de capa amarronzada e o colocou na bolsa, junto com seus outros pertences. O seu estômago começou a roncar.

— Nee-sama. Já está de pé? — Uma Hanabi sonolenta abre a porta do quarto. Hinata, que havia terminado de prender o cabelo em um coque baixo, cumprimenta a mais nova.

— Sim, Hana. Estou indo para minha missão.— respondeu sem delongas. A Hyūga mais velha recebeu olhares acusadores da mais nova. — O que foi?

— Cadê o seu hitaiate, sua roupa de missão? — Ao notar como Hinata havia murchado, Hanabi logo se apressou em continuar — N-não que você esteja feia nee-sama. Pelo contrário… É só que você não costuma se arrumar tanto assim.

— Ah, sim. — Com um sorriso forçado, Hinata tentou se explicar. — Minha missão é diferente, Hana. Sou da equipe de escolta do Uchiha-san. Não há um código rigoroso de vestimenta nessa missão em específico, entende?

A menor acenou em concordância.

— Não gosto dele. Muito antipático.

— Hana… todo mundo tem seus defeitos, e todo mundo merece uma segunda chance. Com Sasuke-san não seria diferente. E eu estou aqui para isso, para garantir que ele vá conseguir tomar decisões mais acertadas desta vez.

— Bem, que seja. Eu continuo não gostando dele. — bocejou pela milésima vez — A propósito, que horas você deveria estar em missão?

— Umas sete, mas hoje eu planejo chegar mais cedo, por qual motivo está perguntando?

— Então acho melhor correr — apontou para o relógio de parede — A casa do enfarento fica longe.

Eram 6:30 da manhã quando Hinata saiu tropeçando nos próprios pés, achando uma boa ideia tomar sua primeira refeição do dia com o último Uchiha.


Formalidades eram um saco.

Em seu escritório, Shikamaru se mantinha preso às infindáveis pilhas de documentos dispostas na mesa. Analisar acordos políticos entre as aldeias, escalar times para missões, relatórios, gerenciar os recursos da própria Aldeia da Folha, lidar com queixa de civis enquanto tenta arrumar uma solução para os próprios problemas estavam deixando o Nara a beira de um colapso nervoso. Todo esse caos burocrático necessitava de sua atenção imediata. O moreno massageava suas têmporas, tentando evitar a dor de cabeça iminente.

Determinado a acabar com toda aquela papelada — ou pelo menos boa parte dela — Shikamaru pegou mais um pergaminho e começou a ler.

O dia mal começara e ele já havia gastado todos os seus neurônios. Suspirou aborrecido, por mais que tentasse se concentrar em ler aqueles pergaminhos com os problemas de Konoha, não conseguia passar da segunda palavra.

Problemático.

Piscou, coçando os olhos e se jogando para trás. Por um momento ele tentou se desconectar do seu inferno pessoal para admirar a paisagem atrás de si. As nuvens estavam bem tímidas, O dia especialmente quente e abafado nem os três ventiladores de teto estavam dando conta. O garoto já sentia o suor escorrer pelas suas costas, fazendo a sua camisa verde militar grudar no corpo

— Eu só queria ser uma nuvem.

Embora quisesse, Shikamaru sabia que não poderia fugir da sua responsabilidade. A vila não lhe confiara atoa o posto mais importante depois de um Kage. Era seu dever honrar o povo e cumprir da melhor forma o seu trabalho.

Uma lembrança agridoce invadiu a sua memória. Ele havia se recordado da pessoa mais importante de sua vida.

Shikaku Nara.

O Chefe do Clã.

O seu querido pai.

Mulheres são problemáticas. Elas são muito emocionais e complicadas. — afirmou enquanto soltava um longo suspiro. O pai que apenas o encarava soltou uma risada anasalada, balançando a cabeça.

Você ainda não entendeu, Shikamaru. — disse Shikaku, a voz carregada de sabedoria — Mulheres são como jogos de shogi. Você precisa pensar cuidadosamente sobre cada movimento e antecipar os movimentos delas. Se você jogar descuidadamente, você perderá.

— Eu não gosto de jogos de shogi.

Eu sei — respondeu o mais velho ternamente — Mas você precisa aprender a jogar se quiser entender as mulheres.

Eu acho que prefiro ficar solteiro. — Declarou com uma convicção avassaladora.

Você dirá isso até encontrar a mulher certa. Quando você a encontrar, você entenderá por que as mulheres são tão importantes.

Eu não tenho tanta certeza disso.

Você verá. E quando você se casar, terá que aprender a aturar as birras dela.

Eu não quero me casar. — ele rebateu, dessa vez ficando impaciente.

Você vai se casar e terá filhos. E então você entenderá o que é o amor de verdade.

Eu não quero ter filhos.

Você terá filhos e os amará mais do que tudo no mundo. — sorriu, passando a mão na cabeça do seu protegido — E então você entenderá o que é a felicidade de verdade.

— Eu ainda não tenho tanta certeza disso.

— Você verá. Mas, por enquanto, apenas tente ser um pouco mais paciente com as mulheres. Elas são como nós, só que mais complicadas.

— Eu vou tentar.

"Eu vou tentar."

Essas palavras pairavam na sua mente. Prometera isso ao velho, só não imaginava que seria tão problemático cumprí-las.

Seus pensamentos voaram para longe, como as pipas voando sob o céu de Konoha. Ele quis desesperadamente ser uma delas. Livre de obrigações, de fardos a carregar. Uma esposa, ele sabia, era mais do que mera formalidade, era uma pessoa, a chave que manteria o Clã Nara sob uma liderança justa e pacífica. E enquanto o dia só começava, como uma flor desabrochando, uma certeza cruel, mas cada vez mais concreta se fazia presente: sua consorte seria escolhida a dedo, como uma peça no Xadrez. A rainha. Mas não seria essa a mais cruel das partidas, onde a rainha é mera peça e não alma gêmea?

Ele seria capaz de amar uma rainha cativa?

E ela, seria capaz de amá-lo em meio a toda essa farsa manipulada?

Que ironia.

Shikamaru estava sendo forçado a jogar um jogo que não poderia vencer.


Na ponta dos pés.

Foi assim que adentrou a residência do seu protegido. A respiração irregular, as bochechas vermelhas e a franja grudando na pele denunciavam o estado da Hyūga. Hinata era sempre pontual, entretanto nos últimos dias havia se tornado rotineiro essas longas corridas até o Uchiha. Sempre que queria fazer mais coisas além da sua obrigação, acabava se atrapalhando.

O cheiro de madeira velha se misturou ao mofo e a poeira presente no ambiente, fazendo Hinata fungar o nariz irritado. O que podia constatar no seu campo de visão era que a residência ainda estava do mesmo jeito que havia deixado no dia anterior. Instintivamente caminhou até a cozinha, deixando as sacolas no balcão de mármore preto. Ao abrir a geladeira, constatou que tudo o que a morena havia comprado ainda estava intocado nas embalagens.

Um suspiro frustrado escapou dos seus lábios. Se continuassem assim, Sasuke teria de aprender a fazer fotossíntese.

Ainda incerta sobre as coisas que poderia fazer naquela residência, a morena pegou o bule guardado no armário acima da pia. Estava como que novo, exceto por alguns arranhões na lataria, mas no geral estava bem preservado. Com o objeto em mãos, pôs-se a lavar com detergente para remover todo o pó e qualquer inseto que tenha pousado ali. Com o bule já limpo, ela o encheu de água e colocou no fogo. Em seguida, retirou três pacotes de ervas diferentes, questionando qual seria mais do gosto do moreno. Por fim, lançou as sortes sobre os pacotes, deixando que o velho "mamãe mandou" decidisse qual seria usado.

Em seguida retirou os rolos de canela que havia preparado na noite anterior, como estavam frios, a garota improvisou um cozimento indireto, enchendo uma panela com água e colocando os rolos em recipiente menor dentro da panela. Estava distraída cantarolando uma canção qualquer que nem percebera que Sasuke estava bem atrás de si.

— …Hayo — disse ele calmamente, a voz rouca, os olhos inchados e o cabelo desgrenhado denunciavam que havia acabado de acordar.

— O-ohayo, Uchiha-san. — com as mãos no peito, o rosto pálido e os olhos arregalados, Hinata se sentiu uma ladra pega em flagrante. — Desculpa, eu te acordei né? — a mão que antes estava segurando a tampa da panela, agora era pressionada contra o tecido da roupa da Hyūga.

— Não. Eu já estava acordado. — com essa cara toda amassada? A perolada pensou, no entanto deixou apenas para si o pensamento.

— Estou fazendo o seu… digo, o nosso café da manhã.

Sasuke a fitou, seus olhos ônix, antes bisbilhoteiro, agora eram indecifráveis. Ele abriu a boca, como se quisesse dizer algo, mas as palavras não saíram. Um leve fungar pôde ser ouvido, seus ombros se curvaram levemente e ele deixou seu olhar se perder por um instante, antes de girar os calcanhares e sair silenciosamente, do mesmo modo que viera.

Estranho, Hinata pensou. Mas nada que vinha do Uchiha se enquadrava nos padrões de normalidade. Já era de se esperar. Enquanto preparava o seu desjejum, estava totalmente alheia ao pedido mudo que exclamava pelas orbes ônix do moreno.

Sasuke queria dizer mais do que apenas duas ou três palavras, mas elas morriam antes mesmo do som se formar em sua garganta.


Desde que ficou sabendo dos planos de Yashiro para alcançar o status de comandante do Clã, Shikamaru andava pensando em todas as formas possíveis para deter aquele inescrupuloso.

A reunião iria ser amanhã ao pôr do Sol, e pensar nisso estava enlouquecendo-o.

— Cara, a tua família é um porre, viu? — Ino debochou com a voz embargada pelo excesso de álcool. Chouji a repreendeu com o olhar.

— Hm, concordo. — deu um riso sem humor.

— Já pensou num casamento de fachada? — argumentou a loira. Shikamaru arqueou a sobrancelha.

— Você tá mesmo cogitando o que eu acabei de ouvir? — perplexo, Chouji mirava os orbes aquamarine da loira fixamente.

— Sim, ué. É a saída mais rápida, perfeito para o seu problema.

— Você só está esquecendo um pequeno detalhe, Ino. Shikamaru odeia casamento com todas as forças, e não há nenhuma mulher maluca o suficiente para aceitar se casar com ele.

Os shinobis encaravam horrorizados o que Choji acabara de dizer. Embora fosse verdade, o Akimichi não fez questão de usar de tato quando se referiu ao melhor amigo. Amargurado, Shikamaru engoliu mais uma dose de sakê.

— Caramba, Choji! Shikamaru poderia ter ficado sem essa.

— Mentindo é que ele não está né, Ino.

— Mesmo assim. — deu de ombros. — E a minha ideia ainda é a melhor alternativa.

— Eu não acredito que eu estou mesmo cogitando isso...

— Tá, e se fizéssemos uma lista de possíveis pretendentes para você escolher, o que me diz? Pode listar os requisitos e a gente vai atrás. — A loira o encarava com expectativa, o guardanapo aberto e uma caneta na mão. — Vai, fala pra gente o que a sua mulher perfeita precisa ter.

— Precisa ser forte, educada, gentil, paciente, solícita e acima de tudo, altruísta. Porque em um casamento arranjado, o conselho de anciãos, principalmente Ishida e Yashiro vão fazer de tudo para trazer desonra ao nome dela. E consequentemente sabotar quaisquer chances que eu tenha de assumir a posse como Chefe.

Todos concordaram com as palavras de Shikamaru, e se uniram um a um à súplica silenciosa de que encontrariam uma solução para aquele infortúnio.

— Está decidido, então? Procuraremos uma esposa para o nosso amigo cabeça oca.

A Yamanaka e o Nara balançaram a cabeça em concordância, partilhando naquele momento uma cumplicidade única. Independente do que acontecesse, o trio Ino-Shika-Cho daria um jeito.

Sempre deram.

Ino soltou uma risadinha eufórica.

— Mal posso esperar pela missão cupido.

Shikamaru e Chouji se entreolham.

— Que a sorte esteja sempre ao seu favor, meu amigo.