Edward
O tempo passou, mas a sensação de deslocamento permaneceu. Já fazia semanas desde que minha rotina virou pó e me vi forçado a parar. Desde que precisei encarar as coisas que sempre evitei.
No começo, tentei preencher os dias. Pequenas tarefas domésticas. Leituras inacabadas. Horas intermináveis observando Chloe brincar e fazendo tudo que pudesse com ela. Mas, no silêncio, os pensamentos voltavam.
A sensação de que minha vida não era exatamente o que eu pensava. As lacunas, que antes pareciam apenas buracos insignificantes, agora pareciam enormes falhas. Como se a história que vivi tivesse sido editada sem que eu soubesse.
Foi só depois da visita de Carlisle que comecei a realmente procurar pelas respostas que faltavam.
Eu não queria encará-lo – e ainda não conseguia chamá-lo de pai - ou qualquer outra pessoa que estivesse envolvida no que quer que fosse que me escapava. Mas havia algo em mim que precisava saber.
Escalei Emmett para me ajudar na missão e então comecei. Primeiro, foram os documentos antigos. Registros médicos. Contratos. Arquivos guardados ao longo dos anos e que, de repente, pareciam incompletos. Essa história tinha camadas demais e eu precisava entender em que ponto elas convergiam, até chegar ao momento em que eu e Bella fomos separados.
Depois, foram as mensagens e e-mails antigos. As entrelinhas. As conversas que agora, vistas sob uma nova perspectiva, pareciam conter algo a mais. E, por fim, vieram as memórias.
Aquelas que eu sempre ignorei, que nunca pareciam importantes até agora. Foi assim que, tarde da noite, encontrei um nome que não deveria estar ali. Era um e-mail, arquivado em uma pasta esquecida no meu drive do trabalho. Um nome que eu não via há anos.
A princípio, achei que minha mente estava me pregando uma peça. Mas quando abri a mensagem, o choque foi imediato. Porque, pela primeira vez, eu tinha uma prova concreta de que havia algo que me foi escondido. A respiração ficou presa na garganta. Meu coração batia forte. Eu precisava saber a verdade.
Meus olhos corriam pela tela do celular, lendo e relendo aquelas palavras como se, em algum momento, elas pudessem mudar. Mas não mudavam.
O e-mail era antigo. Datava de cinco anos atrás, quando eu ainda estava na faculdade. Eu nunca o tinha visto antes. Talvez porque tivesse sido arquivado automaticamente, ou talvez porque alguém tenha se certificado de que eu não o visse.
O remetente: Aro Volturi.
Ele era um nome familiar do passado. Trabalhou por anos com meu pai. Um homem que sempre parecia saber demais, mas falar pouco. A mensagem era curta.
Edward, espero que tenha recebido os documentos sem problemas. Sei que a situação é delicada, mas estou certo de que seu pai tomou a melhor decisão para você. Se precisar de mais alguma coisa, me avise.
Meu estômago afundou. Documentos? Que documentos? E o mais importante… que decisão foi tomada por mim?
Minha cabeça latejou. Carlisle e eu estávamos distantes, mas ele nunca tentou controlar minha vida. Edward, sim.
O peso da verdade começou a tomar forma. Meu pai sempre foi um homem imponente, controlador em suas decisões. Eu cresci sob a sombra de sua autoridade mas, até descobrir sobre Chloe, nunca questionei a extensão do seu controle. Me perguntava o que mais ele havia feito sem que eu soubesse.
Passei a madrugada pesquisando, claramente indo contra as orientações médicas de ter boas noites de sono. O nome de Aro sempre aparecia em registros antigos do escritório, sempre como uma peça secundária. Um associado discreto. Um facilitador como Jenks?
Encontrei um contato e enviei uma mensagem.
De: Edward Cullen
Olá, Aro. Lembra-se de mim? Precisamos conversar, é sobre o meu pai.
A resposta veio rapidamente, muito mais rápido do que eu esperava.
De: Aro Volturi
Olá, Edward. É claro que lembro.
Mas, temo que não possa te ajudar.
Não me surpreendi, então, fui direto ao ponto.
De: Edward Cullen
Pode sim. É sobre um e-mail que me enviou anos atrás, mencionando uma documentação. Preciso saber do que se trata, tendo em vista que nunca tive acesso aos documentos.
Silêncio. Segundos depois, três pontinhos apareceram, ele estava digitando. Depois sumiram. Depois voltaram.
De: Aro Volturi
Faremos uma chamada de vídeo. Agora.
Meu coração disparou. Observei Bella e Chloe, dormindo em paz na cama e levantei para ir até a sala. A casa toda estava dormindo agora e isso me fez sentir mais ainda como um intruso ali. Respirei fundo antes de aceitar a chamada.
A tela carregou, revelando um homem mais velho. Os cabelos longos eram tingidos de preto e ele tinha uma expressão fechada, exatamente como eu me lembrava. Seus olhos analisaram meu rosto por um instante antes de ele soltar um suspiro pesado.
— Você parece com ele.
Minhas mãos se fecharam em punho. Eu não tinha tempo para bater papo.
— O que você sabe, Aro?
Ele esfregou o rosto, claramente desconfortável.
— Eu sabia que esse dia ia chegar. Mas, Edward… algumas verdades deveriam ficar enterradas.
Eu estava ficando sem paciência.
— Você sabe o que aconteceu com a minha vida. Você sabe o que meu pai fez. Por que ele tomou essas decisões? Qual era o seu plano?
Aro parecia ponderar por um momento. Seu olhar se tornou mais sério.
— Ah, Edward... Eu temia que você perguntasse isso. Imagino que já saiba que tem uma filha, não? Você está começando a entender, não está?
A raiva cresceu no meu peito quando ele mencionou Chloe. Ela não tinha que ser mencionada por essas pessoas. Eu tive vontade de subir correndo para garantir que ela estivesse protegida.
Entretanto, Aro estava falando de algo maior, e meu instinto me disse que ele estava se referindo a algo profundo demais. Algo que não estava só em torno de mim, mas de todas as decisões que meu pai tomara.
— Sim, Aro. Eu já sei que toda a minha vida foi uma mentira. Já sei que Edward não era realmente o meu pai, sei que sou filho de Carlisle, sei também que Edward armou para me separar da minha filha. Você sabe que não é sobre isso que estou perguntando…
Ele deu um sorriso, mas não chegava realmente a seus olhos.
— Edward, seu pai descobriu que não era o seu pai biológico depois da morte de Elizabeth. Ele suspeitava, mas a verdade veio à tona tarde demais, e a dor foi insuportável para ele. Ele a amava muito, mesmo que você não acredite nisso. Mas o que ele sentiu não foi só a perda da esposa. Era o fato de ter sido traído. Não apenas por Elizabeth, mas também por Carlisle.
Bem, eu conseguia entendê-lo nessa.
— Ele ficou furioso, e esse sentimento de traição não foi algo que ele conseguiu superar. E isso… isso o mudou, Edward. Ele se tornou um homem frio, distante, e não só com você. Ele também se afastou de Carlisle e Esme, que tentaram se aproximar dele, mas ele os viu como parte do problema. Parte de uma conspiração.
Aro me observava com atenção, provavelmente esperando que eu digerisse tudo aquilo. Mas havia mais.
— Ele tinha medo de perder o controle da sua vida, Edward — Aro continuou — Quando você escolheu estudar nos Estados Unidos e passou a ficar muito tempo em Forks, ele sabia que o legado dele estava em risco. Ele precisava que você o seguisse. Ele acreditava que, se você soubesse a verdade sobre sua origem, isso desmoronaria tudo que ele havia trabalhado para construir. E ele não podia permitir que isso acontecesse.
— Mas isso não foi o pior, foi? — falei, minha voz tremendo de raiva e incredulidade — Ele não queria que eu soubesse de Chloe. Ele sabia que ela existia, sabia que Bella estava grávida com o meu filho, mas manipulou tudo. Fez de tudo para garantir que eu nunca soubesse.
Aro fez uma pausa. Ele sabia que essa parte da história era crucial. Quando ele respondeu, sua voz parecia mais baixa, mais grave.
— Ele queria que você seguisse sua carreira, seu caminho. Ele acreditava que, se você soubesse que era filho de Carlisle, ficaria em Forks e isso poderia destruir todo o planejamento que ele fez. Ele te manipulou, sim, mas sua filha foi apenas um efeito colateral. O objetivo central era que você não soubesse que não era filho dele. Ele temia que você abandonasse o futuro que ele havia moldado para você, e que isso significasse o fim do legado dele.
Eu estava enjoado. Meu pai era um maníaco.
— Mas ele deixou uma conta em nome de Chloe. O que pretendia com isso? — perguntei, a raiva e a confusão transparecendo em minha voz — Se ele estava tentando me manter longe da verdade, por que deixaria uma conta que facilmente me levaria até ela?
Aro se recostou em sua cadeira, parecendo ponderar a pergunta. Não foi uma resposta rápida. Ele olhou para mim com seus olhos penetrantes, como se estivesse medindo minha paciência, calculando se deveria revelar ainda mais.
— Essa é uma boa pergunta, Edward — ele finalmente respondeu, e sua voz pareceu mais lenta, como se estivesse se preparando para uma explicação complexa — Seu pai era um homem de contradições. Ele tentou te esconder Chloe, sim. Mas, ao mesmo tempo, ele não podia negar o fato de que ela existia. E, em algum nível, ele sabia que, um dia, você descobriria. Mas ele acreditava que isso não aconteceria agora, que seria um segredo que você jamais desvendaria enquanto estivesse concentrado em seguir seu legado.
Eu o encarei, confuso. Aro suspirou, como se fosse difícil expressar aquilo em palavras. Ele parecia estar tentando me contar o que eu ainda não queria entender.
— Ele acreditava que, no fundo, você nunca tomaria conhecimento de Chloe, Edward. A ideia de que você poderia descobrir o segredo dele era uma ameaça que ele preferia ignorar. No entanto, ele sabia que, se algo acontecesse com ele — e ele estava ciente de que, eventualmente, isso aconteceria — a sua filha precisaria de uma forma de sobreviver.
Meu pai era um crápula, isso era óbvio desde o princípio. Entretanto, havia algo de profundo e perturbador naquelas palavras que eu não conseguia entender completamente. Ele, além de tudo, achava que Bella não era o suficiente para cuidar da nossa filha?
— Ele me usou, Aro — murmurei, a raiva crescendo dentro de mim — Ele fez tudo isso para me manter afastado da verdade, sem se preocupar de verdade comigo.
Aro assentiu lentamente, como se compreendesse o peso daquilo.
— Exatamente, Edward. Para ele, Chloe era uma variável que ele não podia controlar completamente, mas você e Carlisle estavam muito bem sem saber da verdade. Ao mesmo tempo, ele sabia que você jamais permaneceria ao lado dele se soubesse da existência dela, e por isso, manteve tudo em segredo, como uma maneira de te manter longe disso — ele fez uma pausa, como se não soubesse se deveria continuar — Para ele, a conta bancária era uma forma de garantir que, se você nunca encontrasse a verdade, Chloe teria alguma estabilidade.
Agora, as coisas começavam a fazer algum sentido. Edward havia sido um homem obcecado por controle, tentando planejar cada passo de sua vida e, mais ainda, da minha vida. Ele me via como uma miniatura sua, queria controlar meu futuro, manipular as escolhas, mas não podia negar a existência de algo que ele nunca poderia apagar: Chloe.
Eu não sabia se estava mais irritado ou desolado com a explicação. Aro me olhou mais uma vez, seu olhar sincero, mas ainda carregado de uma tristeza que eu não sabia se era genuína ou parte de seu próprio jogo.
— Agora que você sabe disso tudo, Edward, a escolha é sua. Você vai confrontar o passado e reconstruir a verdade, ou vai seguir em frente e tentar deixar isso para trás?
Eu fechei os olhos por um momento, absorvendo o peso daquelas palavras. Eu sabia que a minha vida nunca mais seria a mesma desde o momento em que pisei nesta cidade, mas agora, eu achava ter todas as respostas e tinha que decidir o que fazer com elas.
Aquela foi mais uma noite insone. Entretanto, ficar acordado me fez pensar em outras possibilidades. Eu ficaria em Forks de forma definitiva, isso não era uma questão a ser discutida. Por isso, retomei a ideia de comprar meu próprio espaço.
Com todas as mudanças, eu não poderia mais viver com Carlisle e Esme - e eu nem sabia se eles mesmos continuariam vivendo naquela casa. Tampouco queria viver na casa de Charlie, onde não tínhamos nenhuma privacidade e nosso mundo era reduzido ao quarto de Bella.
A ideia de comprar uma casa em Forks não era apenas sobre o espaço físico. Era sobre construir algo novo. Um lugar onde eu e Bella poderíamos criar nossas próprias regras, onde Chloe cresceria longe dos fantasmas do passado. Eu sabia que essa seria uma maneira de marcar uma linha entre o que fui e o que queria ser.
Eu estava cansado de fugir. Tinha fugido de mim mesmo por tanto tempo, perdido na culpa, no ressentimento, e agora, finalmente, tomaria as rédeas da minha vida. Eu sabia que isso significaria recomeçar. Recomeçar ao lado de Bella e Chloe. E estar com elas me dava algo que eu nunca tive antes: propósito.
Suspirei, tentando afastar os fantasmas da minha mente. Uma casa. Um lugar para nós. A possibilidade de ver Bella e Chloe todos os dias sem as barreiras que existiam antes. Sem os medos que nos assombravam.
A imagem imediatamente se formou na minha mente. Eu via minha família ali, construindo uma rotina. Bella, com seu sorriso suave e força silenciosa. E Chloe, com seus risos e sua energia contagiante, correndo pela casa. Nós poderíamos aumentar a família, até… Talvez eu estivesse idealizando algo, talvez fosse apenas uma fuga para me agarrar, mas não conseguia parar de imaginar. Eu não precisava de mais nada além de saber que elas estariam comigo.
Caminhei até a janela e olhei para as estrelas. Forks parecia pequena, tranquila. E talvez fosse exatamente o que precisávamos: a paz que as grandes cidades não poderiam nos oferecer. Eu sabia que seria difícil, que ainda havia muito a reconstruir, mas o que mais eu poderia fazer senão tentar?
Ao amanhecer, eu sabia que não poderia mais adiar. Precisava conversar com Bella. Não mais apenas sobre o que ela queria para nós, mas sobre o que eu queria também. Acordei com a imagem de Bella e Chloe em minha mente. Elas seriam o que tornaria tudo isso real. E, de alguma forma, eu sabia que era isso que estava faltando. Um lugar onde pudéssemos finalmente ser uma família.
