Santuário – Salão do Grande Mestre
Atenas – Grécia
12:10 PM
Scully ainda estava sentada na mesa, os braços cruzados, o olhar perdido em algum ponto do mármore polido. Mu e Saori observavam-na de relance, enquanto Shaka permanecia em sua postura imóvel e meditativa, tentando pensar em alguma forma de resolver o problema da conexão indevida que arranjou para si mesmo.
Foi por isso que, quando Kanon cruzou as portas, foi o primeiro a perceber a mínima mudança na postura de Scully. A agente ergueu os olhos devagar.
Não houve hesitação. Não houve perguntas. Kanon parou à sua frente, os olhos azuis fixos nos dela.
"Vem comigo."
Não foi um pedido. E, para o espanto absoluto dos três que estavam ali, ela foi.
Scully levantou-se sem hesitar. Simplesmente seguiu Kanon porta afora, sem olhar para trás.
Shaka abriu os olhos, observando a porta pela qual os dois haviam acabado de sair.
Mu pigarreou. "Bom… isso foi… inesperado."
Saori piscou. "Ela simplesmente foi."
Shaka inclinou a cabeça. "Inesperado por quê? Depois dessa última viagem, honestamente, não sei por que o espanto."
Mu passou a mão pela nuca. "Quer dizer que ela confia nele?"
Shaka voltou-se para Mu, e seus olhos brilharam com algo indecifrável. "Não é só confiança, e você sabe." Às vezes esse comportamento desligado de Mu o irritava profundamente.
Mu e Saori se entreolharam.
E então, como se a coisa já não estivesse desconfortável o suficiente, Shaka, com a maior naturalidade do mundo, soltou:
"E eu aqui com esse vínculo maldito, só espero que ela tome mais cuidado com os impulsos."
SILÊNCIO.
Saori corou até a raiz dos cabelos. Mu ainda disfarçou, mas falhou miseravelmente.
Shaka virou-se calmamente para os dois, como se tivesse acabado de comentar o clima. "Apenas uma constatação, oras."
Saori, por mais que fosse deusa, não tinha como lidar com isso agora "C-com licença." Ela se levantou, tentando parecer digna, mas claramente fugindo da conversa.
E então Mu soltou a risada que estava segurando, era um riso de nervoso, mas incontrolável agora que não tinha que se censurar em favor de Saori.
"Vamos descer, vai. Não precisa se preocupar, acha que aqueles dois tem clima pra fazer qualquer coisa justo aqui?" Amenizou.
Shaka, se fosse um animal, teria rosnado.
xXx
Cabo Sunion – Ágora antiga
Atenas – Grécia
12:42 PM
Scully não sabia exatamente para onde Kanon a levava. Mas também… não se importou. Eles caminharam em silêncio, de braços dados desde que deixaram a área dos templos sagrados. O caminho era isolado. Conforme as construções do Santuário ficavam para trás, davam lugar a trilhas estreitas, cortando um desfiladeiro que parecia intocado. O vento batia forte ali, mas não era frio. A cada passo, a civilização parecia mais distante.
E então, finalmente, chegaram.
Era um espaço alto, uma clareira entre as rochas que terminava em um precipício com uma vista ABSURDA do mar. A água se estendia até o horizonte, azul e dourada sob o sol da tarde. Havia uma pequena estrutura de pedra, como um altar esquecido pelo tempo.
Kanon encostou-se ali e olhou para ela.
"Você é a primeira pessoa que eu trago aqui."
Scully olhou ao redor. Não era difícil acreditar nele. O lugar exalava isolamento.
"Você vem para cá… para ficar sozinho?"
Ele assentiu, os olhos voltando-se para o mar.
"Aqui é o único lugar onde ele não fala comigo."
Scully sentiu um arrepio. "Poseidon."
Kanon virou-se completamente para ela. Seu olhar era sério.
"Não foi ele."
Ela piscou. "O quê?"
Kanon deu um passo à frente.
"Tudo o que aconteceu entre nós… cada momento… foi meu. Não dele."
Scully sentiu o estômago se apertar.
Kanon estreitou os olhos.
"Se você acha que foi usada, enganada, manipulada… então me diga agora."
A respiração dela ficou mais pesada. Kanon avançou mais um passo, diminuindo a distância entre eles.
"Porque eu prefiro que me odeie a acreditar que foi Poseidon quem te teve nos braços."
O peito de Scully subia e descia, a mente fervilhando. E então, ela fez o que sempre fazia: disse a verdade.
"…Eu sabia."
Kanon franziu o cenho.
Scully umedeceu os lábios. "Eu sabia que era você."
O silêncio entre eles se tornou algo palpável. Os olhos de Kanon buscaram os dela, como se quisesse garantir que aquilo era real.
E então… ele sorriu.
Mas não foi um sorriso presunçoso, nem cínico. Foi um sorriso puro. Satisfeito.
"Ótimo."
E então, ele a puxou para um beijo.
xXx
Santuário – Chalé de Capricórnio
Atenas – Grécia
01:03 PM
Shura encontrou Mulder exatamente onde esperava: largado no sofá do chalé, encarando o teto como se estivesse tentando resolver a equação mais complexa da humanidade.
O cavaleiro recostou-se no batente da porta, cruzando os braços.
"Se continuar assim, agente, vai acabar virando parte da mobília."
Mulder nem se deu ao trabalho de levantar a cabeça.
"Talvez seja melhor."
Shura ergueu uma sobrancelha. "Se tornar um sofá?"
"Não precisa tomar decisões, nem lidar com divindades querendo roubar sua vida."
O cavaleiro bufou. "Você tá mesmo dramático hoje."
O agente suspirou pesadamente, esfregando o rosto. "Só me deixa aqui, Shura."
"Ah, não." O tom do espanhol não dava espaço para negociação. "Você já desapareceu tempo demais hoje. E, por acaso, sabe onde estão os outros?"
Mulder virou o rosto para ele, desconfiado.
"Por favor, não me diz que eles montaram outra comissão de resgate."
Shura sorriu de canto. "Não. Estão almoçando na Casa de Touro."
O agente fechou os olhos, exalando. "Ótimo. Que almocem em paz."
Shura descruzou os braços e deu um passo à frente. "Você vai descer."
"Eu não quero."
"Não é uma escolha."
Mulder abriu um olho. "E se eu disser não?"
Shura inclinou-se, apoiando as mãos nos joelhos. "Eu sou um cavaleiro de ouro, agente. Você acha que tem alguma chance contra mim?"
O silêncio reinou.
E então, com todo o desânimo do mundo, Mulder se levantou.
Shura deu um tapinha no ombro dele. "Boa escolha."
xXx
Aldebaran estava no auge da alegria. Não tinha nada que o fizesse mais feliz do que ver sua mesa cheia e seus amigos bem alimentados. Milo e Aiolia estavam devorando a refeição como se não comessem há dias, discutindo se o time do Milo era melhor que o time do Aiolia. Máscara de Morte estava largado na cadeira, fingindo não notar que Afrodite estava do lado oposto da mesa, cortando o espaguete de propósito mas com a maior classe do mundo, olhando ferinamente para ele.
E foi nesse cenário que Shura e Mulder chegaram.
"Opa!" Aldebaran abriu um grande sorriso. "Agente Mulder! Veio na melhor hora! Tá com fome?"
O agente olhou para os pratos fartos e os rostos conhecidos, hesitando por um momento. Antes que pudesse responder, Milo bateu na cadeira vazia ao lado dele.
"Vem cá, agente, senta aqui. A gente já estava apostando em quanto tempo você ia aguentar ficar sozinho."
Mulder soltou um riso seco e sentou-se. "Espero que ninguém tenha apostado em mim."
Aiolia entregou-lhe uma travessa. "Come, cara. Depois você volta pro seu inferno particular."
Mulder aceitou, sem forças para discutir. A comida era absurdamente boa, afinal. Nem se deu conta, mas antes do que imaginava já tinha limpado o prato, o que, considerando o estômago revirado de antes, era um milagre. O problema era que a comida não tinha afastado os pensamentos.
Afinal, como lidar com isso?
Poseidon. Um deus grego. Querendo Scully.
Ele apertou os olhos, esfregando a têmpora. Milo percebeu e não perdeu a chance.
"Quer outro copo de vinho, agente?" O sorriso dele era malicioso. "Ou vai precisar de algo mais forte pra engolir essa história?"
Mulder abriu os olhos devagar e lançou lhe um olhar letal. "Se você puder me arrumar algo que faça sentido, eu agradeço."
Aiolia apoiou-se na mesa. "Bom… eu sei que não é fácil de aceitar. Mas Poseidon é uma ameaça real. Já enfrentamos ele antes. Ele não é só um mito."
Mulder bufou. "E agora ele quer Scully."
Afrodite deslizou os dedos pela taça de vinho, os olhos brilhando de um jeito quase analítico. "A questão não é o que ele quer. A questão é… por quê."
Máscara de Morte apontou o garfo para ele. "É aí que a coisa fica feia."
Milo inclinou a cabeça. "Será que ele quer a mulher ou quer alguma coisa que está nela?"
Mulder travou.
Aldebaran olhou para o Escorpião. "Bom ponto."
Shura limpou a boca e cruzou os braços. "A Criatura deixou claro que queria impedir Poseidon. Se fosse só desejo físico, ela teria interferido?"
Mulder largou os talheres, sentindo o estômago pesar de novo. "…Se ele só quisesse levá-la, por que a Criatura teria reagido assim?"
Aiolia franziu a testa. "Pelo que sabemos, ela tentou alertar sobre algo."
Afrodite inclinou-se ligeiramente para frente. "E se a Criatura souber exatamente o que Poseidon quer?"
Aldebaran exalou devagar. "E se Poseidon… não quer apenas possui-la?"
Silêncio.
Mulder olhou ao redor da mesa. O peso daquelas palavras assentou como chumbo no estômago dele.
Milo estalou os dedos. "E se ele quer… sei lá… se misturar a ela? Se fundir?"
Mulder sentiu o corpo inteiro gelar.
Afrodite não piscou. "Ou pior."
Máscara largou os talheres, o olhar repentinamente sério. "Pior como, Peixes?"
A cadeira de Mulder arranhou o chão quando ele empurrou a mesa e se levantou de súbito. O grupo todo se calou. Mulder passou a mão pelos cabelos, respirando fundo, como se estivesse se segurando para não quebrar alguma coisa.
Shura foi o primeiro a falar, calmamente.
"São só teorias, agente."
Mulder fechou os olhos. "A única teoria que me importa agora…" Ele abriu os olhos, o olhar sombrio. "É como faço para impedir isso."
Milo suspirou. "É… eu também não gostaria de ter um deus na minha cola."
Aiolia olhou de canto para Shura. "Acho que ele já aceitou a ideia de que Poseidon é real."
Shura assentiu. "Aparentemente, sim."
Mulder até queria sair dali, procurar de novo um lugar para ficar em silencio, tentar esvaziar a cabeça. Mas agora não era hora. Porque agora, tudo estava fazendo sentido.
Ou, pelo menos, fazendo aquele tipo de sentido completamente insano que guiava a vida dele. Ele olhou para Máscara de Morte. O cavaleiro de Câncer ainda tinha aquele jeito largado, jogado na cadeira, mas seus olhos não estavam brincando.
"Você disse que a Criatura tentou avisar." Mulder cruzou os braços. "O que exatamente você sentiu?"
Máscara não respondeu imediatamente. Ele olhou para Afrodite de canto, como se esperasse uma reação - mas Peixes apenas observava, interessado.
E então, Máscara começou.
"Foi o pior medo da minha vida."
Mulder endireitou a postura. O tom de Máscara não tinha ironia.
Câncer passou a mão pelo rosto, pensativo. "Eu já estive perto da morte. Já senti o cosmo se dissipando. Já passei pelo inferno mais de uma vez. Eu tenho ACESSO ao inferno. Mas isso?" Ele engoliu em seco. "Isso foi diferente."
Afrodite estreitou os olhos. Ele nunca tinha visto Câncer admitir algo assim.
"Descreve melhor." O tom dele foi suave.
Máscara respirou fundo. "Foi… como se algo estivesse tentando segurar no mundo. Como se algo estivesse prestes a ser apagado." Ele olhou para Mulder. "Foi a Criatura. Ela não queria só alertar. Ela está desesperadamente tentando impedir alguma coisa de acontecer."
Aiolia franziu a testa. "E o que faria uma entidade dessas sentir medo? E não vamos esquecer o que foi falado mais cedo, ainda tem essa conexão com a agente Scully..."
Máscara soltou um riso curto, sem humor. "Não era um medo só pelo medo, Leão. Se você tivesse sentido o que eu senti... cara, era como se isso que essa criatura teme tanto acontecer, o mundo fosse realmente acabar."
Mulder não desviou o olhar. Ele estava processando, juntando peças.
Aldebaran deu um longo gole antes de contribuir "A gente não sabe exatamente o que aconteceu no Japão." Todos olharam para ele "O que foi? Não sabemos mesmo. A gente supõe apenas." Outro gole "Enfim, vamos supor que cada explosão de cosmos que o nosso colega aqui sofreu-"
"Sofri mesmo. Doeu pra cacete." Máscara resmungou.
"Continuando. Vamos supor que cada explosão tenha sido uma tentativa de Poseidon de tomar a agente Scully, isso explicaria a conexão dela com a Criatura. Você disse, maschera, que a voz gritava 'Não', certo?"
"Isso. Eram gritos horríveis. Ela tava desesperada querendo que parasse-" Máscara arregalou os olhos "Ah não! Peraí, será que... não, não é possível."
"O que, criatura!" Afrodite pressionou, um pouco assustado com a expressão de puro ódio que o cavaleiro de Câncer exibia.
"Se aquele figlio de una puta forçou a barra com a agente Scully... ah, eu mato. Mato mesmo. Quero nem saber." Máscara já queria se levantar. Afrodite o parou com uma mão no peito.
"Que é isso, maschera! Acha, Kanon pode ser um sacana, mas nunca ia fazer uma barbaridade dessas. E outra, você olhou bem pra agente Scully? Ela está praticamente brilhando!"
Afrodite falou aquilo sem pensar. A intenção era reforçar que a agente estava bem, que nenhum mal foi realmente feito a ela, mas acabou jogando na mesa aquele fato que Mulder estava tentando evitar de olhar a todo momento. A parceira de tantos anos, sempre controlada, sempre impecavelmente fria, realmente, parecia que tinha renascido.
Aiolia, vendo que o agente já ia descer direto pro fundo do poço novamente, lançou mais uma peça naquela avalanche de teorias, mais para distrair Mulder do que para desenvolver realmente o assunto.
"As substâncias da vacina."
Todos se voltaram para ele. Aiolia coçou o queixo, a mente já disparando.
"Se os materiais biológicos usados na vacina não eram totalmente humanos… e estavam sendo testados para alguma aplicação…" Ele olhou para Mulder. "Você já considerou a possibilidade de que ela foi feita a partir de DNA da Criatura?"
Mulder sentiu o estômago afundar.
Porque… sim.
Sim, ele já tinha considerado. Mas nunca tão diretamente assim.
Aldebaran endireitou-se na cadeira. "Se isso for verdade, explica muita coisa."
Afrodite ainda estava analisando Máscara. "E se o medo que você sentiu… era porque a Criatura sabia exatamente o que estavam tentando fazer?"
Milo estalou os dedos. "Se estavam experimentando com o material dela para algum propósito…" Ele apontou para Máscara. "E se era isso que ela queria impedir?"
Mulder sentiu aquela adrenalina conhecida. A peça final do quebra-cabeça ainda não estava clara.
Mas eles estavam chegando perto.
Ele respirou fundo e olhou para Máscara de novo.
"…E você acha mesmo que essa coisa que ela queria impedir tem a ver com Poseidon?"
Máscara não respondeu de imediato.
Ele pensou. A Criatura sentiu o exato momento em que Poseidon apareceu. E ela tentou impedir, tentou avisar. Tentou desesperadamente segurar alguma coisa no mundo.
Ele inspirou devagar. "…Agora realmente eu acho que tem."
Milo soltou um longo assobio. "Rapaz…"
Afrodite baixou os olhos, pensativo.
Aiolia só tinha uma coisa a dizer:
"Eu odeio quando nossas teorias começam a fazer sentido."
Mulder fechou os olhos por um segundo. A adrenalina corria em suas veias.
Eles estavam perto, muito perto. Ele ainda não sabia exatamente o que fazer, mas talvez agora soubesse por onde começar.
TO BE CONTINUED...
