Uma tempestade eterna abatia-se sobre o mar negro que rodeava uma enorme estrutura triangular, que permanecia intacta frente ao mar em fúria, frente aos relâmpagos e trovões, que enchiam os ouvidos dos habitantes com o rasgar do vento. Os residentes daquela estrutura sombria gritavam até os seus pulmões não mais aguentarem, os gritos ecoavam, no entanto, unicamente a própria pessoa ouvia a sua insanidade. Na sua maioria, os residentes, os prisioneiros de Azkaban, os "sortudos" que abriam os olhos, dia após dia, eram visitados regularmente. Dementadores. Não-seres das trevas. O seu trabalho, sugar qualquer traço de felicidade dos seres vivos.

Vamos entrar em Azkaban, que tal? Celas eram decoradas com um ser humano da mais detestável espécie, outras não. Não chegava a esse ponto. Um esqueleto ou um fantasma, tátil e visível, no entanto, era algo indecifrável, a presença deles criava uma atmosfera tensa. Dementadores sobrevoavam cela a cela, eles espreitavam uma e outra vez, assim como todo o lugar por onde passavam. Os olhos eram inúteis, eles nem mesmo apresentavam tê-los, era medonho.

Com a aproximação das sombras, um ser humano desapareceu. Azkaban havia perdido um prisioneiro. Ou, por outro lado, um novo ser residia na cela, um cão. Um cão negro encolhia-se, ,encostado à parede, uma minúscula janela permitia a mínima luz entrar no seu humilde "quarto". Em frente às grades da pequena cela, sombras pairavam. Foi questão de segundos para os Dementadores continuarem o seu rumo, mas não para o prisioneiro, para ele, cada batida do seu coração que escutava aumentava a agonia que sentia, a tensão colocava o corpo do animal sob pressão.

Ele mantinha-se na sua forma animal, Dementadores visitavam constantemente, imprevisivelmente, por essa razão ele mantinha-se em alerta. Ele não podia fraquejar, não no mundo perigoso em que vivia, e não no lugar mais sombrio do mundo bruxo que alguma vez viu e, agora, vivia.

Azkaban sentia falta de raios de sol, o último dia com luz solar naquele lugar não é conhecido, se alguma vez o sol abateu sobre Azkaban, isso não era do interesse de nenhum prisioneiro. Por outro lado, em outro lugar no mundo, os últimos raios de sol batiam sobre a cidade Little Whinging, sobre a Rua dos Alfeneiros, em breve o céu tornar-se-ia laranja.

Enquanto a noite não chegava, duas crianças vasculhavam o exterior da casa. Atrás da casa, flores cresciam, ambos gostavam daquele lugar, era sossegado. O frio que se instalava não os incomodava tanto, apesar de um cobertor lhes ser bem-vindo, eles não faziam questão de o ter. Silenciosas, um silêncio tranquilo entre as crianças, os dois pegavam diversas flores, entre elas: hibiscos, camomilas e claro, petúnias. Estas últimas, as crianças pegaram por diversão, petúnias brancas eram as flores favoritas da sua tia Petúnia, uma reles mulher, cujo único sorriso que presenteou aos gêmeos foi de maldade.

- São o suficiente, Isa? - perguntou a pequena criança, as suas mãos eram muito pequenas, mas seguravam uma grande quantidade de flores. Ele agradecia que as flores que segurava não tivessem espinhos, ou tinha a certeza que ele e a sua irmã se cortariam todas as vezes que a menina quisesse colher mais flores.

Ao ser questionada, a menina, com os seus olhos indescritivelmente verdes, iguais aos do seu irmão, olhava para as suas mãos, que seguravam fortemente vários caules de flores enquanto algumas pétalas desprendiam-se e caíam sobre a relva, a menina já sabia, por essa razão ela sempre pegava mais flores do que ia precisar por ora. Esticando o seu corpo, a menina levantou-se com as flores. Ela e o seu irmão tinham visivelmente a mesma altura, os seus olhos se encontraram com os do menino, que aguardava uma resposta.

- Colhemos mais do que o suficiente, consigo fazer com que elas durem por semanas. - o menino à sua frente assentiu, os seus olhos já piscavam de sono, a noite estava a chegar, a própria menina começava a sentir-se cansada.

Ambas as crianças esgueiraram-se sorrateiramente pela porta da frente, que eles mesmos haviam deixado mal fechada, já acostumados ao ambiente da casa e, portanto, sem fazer barulho algum, os dois seguiram até às escadas que davam ao andar de cima. Parados ao pé da escadaria, as crianças prestavam atenção a quaisquer barulhos vindos de cima, principalmente, os seus tios e primo deviam estar a dormir a esta altura. Assim, as crianças, que aparentavam ter os seus quatro anos de idade, abriram uma pequena porta branca no interior que dava para o interior da escadaria e entraram, fechando-a por fim.

Parecia um pequeno armário, um depósito onde tralha era guardada. De facto, muita tralha era guardada ali, porém, um colchão foi colocado no chão, cobertores enfeitavam-no, mas não parecia o suficiente para dar conforto. Aquele espaço era um cubículo, adultos bateriam a cabeça, o corpo caso tentassem se mover muito, mas os gêmeos eram pequenos o suficiente para brincarem à vontade... À vontade, não exatamente como eles gostariam, mas era o suficiente.

- Aqui, ainda sobra espaço, Harry. - a menina colocara as flores em um jarro repleto de água e agora mantinha os caules de flores colados uns aos outros para abrir espaço para as flores que o menino segurava.

Harry colocou as flores no jarro, quando terminou viu flores murchas e desidratadas no canto do cubículo que habitavam. A sua irmã tinha um gosto peculiar em esmagar as pétalas, e até mesmo, às vezes, guardar o pólen de algumas flores que encontrava e criar uma gosma estranha com elas. Ele havia visto como ela o fazia inúmeras vezes e espalhava a mistura nos canteiros de flores. As flores que pareciam chegar ao seu fim, desabrochavam novamente, como se recuperassem a vitalidade. O que Harry mais amava, ele amava como a sua irmã se divertia, sobretudo, porque ela mesma amava criar as suas misturas de flores e colocar sobre qualquer magoado que ele ou ela ganhavam. Isabella, sua irmã, compartilhava uma cicatriz idêntica na sua testa, o símbolo de um trovão. Eles já se perguntaram diversas vezes como as cicatrizes se haviam formado, mas tia Petúnia e tio Valter faziam caretas e sempre davam uma resposta diferente aos gêmeos, que haviam desistido de lhes perguntar sobre as cicatrizes novamente.

- Até amanhã, Harry. Vou adiantar-me agora, aproveito o tempo. - a menina sentou-se no colchão e colocou um pequeno caldeirão que havia comprado no dia de Halloween passado à sua frente. Harry, ignorando a intenção da sua irmã, foi buscar as flores que restaram da coleta passada e passou à menina, que o olhou.

- Estás quase a cair de tanto sono, maninho. - acusou Isabella, pegando nas flores, e retirando as pétalas para dentro do caldeirão. Do seu lado, Harry sentou-se de pernas cruzadas, igual à irmã, e pegou numa flor, arrancando pétala a pétala para dentro do caldeirão.

- O mesmo digo de ti, Isa. - Harry sorriu, alegre, ele via os olhos cansados da irmã, viver nesta casa, com aquelas pessoas, esgotava a energia das crianças, elas vingavam-se da maldade que lhes dirigiam com partidas. Era um hábito, aquele. Os dois, sentados no início da noite no seu cubículo a arrancar pétalas de flores. Eventualmente, eles teriam que dormir, mas ultimamente os dois têm tido pesadelos. Há noites em que Harry abre os olhos e a sua irmã não está do seu lado a dormir, outras noites ele a vê de olhos abertos, mas sem reação, isso rendeu vários sustos ao menino, mas foi algo a que ele se habituou.

O tom de laranja foi embora, a lua subiu bem alto no céu, as estrelas podiam ser vistas no céu limpo daquela noite. Harry e Isabella acabaram por adormecer na posição sentada em que estavam, as suas cabeças apoiavam-se uma na outra. No colo de ambos caíam pétalas das flores que se mantinham de pé ao peito das crianças. Nenhum deles dava sinais de acordar, o silêncio ensurdecedor pairava no ar, sendo cortado apenas pelas respirações dos dois. No entanto, o que tanto as crianças temiam voltara a acontecer. A cabeça de Harry foi caindo até bater no colchão, sons leves de respiração diminuíram. Ao seu lado, na frente de Harry não havia ninguém, ele estava sozinho naquele cubículo.

As estrelas pareciam haver desaparecido, ao invés disso, nuvens escuras tapavam a lua e o som da trovoada parecia permanente, nem num único momento havia silêncio, mas nada disso importava, nada passava pela audição da intrusa, muito menos ela enxergava o que vivia neste momento.

Em pequenos passos, os passos que o seu pequeno corpo lhe permitia dar, a menina desapareceu de vista, temporariamente, pois ela podia ser vista a voar perto da estranha estrutura. Os gritos que ecoavam por aquela estrutura eram medonhos, todo o local era sombrio, mas a menina parecia não reparar em nada. As sombras passavam por ela, nem mesmo dignando à menina um segundo de atenção, os Dementadores passaram direto por ela, que continuava a voar o seu trajeto.

Quão distraído alguém tem de ser para não reparar naquela criança? Uma criança pequena, de facto, mas não invisível, muito menos se tratando do lugar onde nenhum invasor se atreveria... a invadir, não em sã consciência.

Lado a lado dos Dementadores, o som habitual dos seus passos não se ouviam, Azkaban era barulhenta a todo o momento. Os Dementadores não notavam a criança a andar no meio deles, mas notavam outra coisa, notavam o bom sentimento da insignificante esperança dos prisioneiros a crescer. Em outras palavras, havia mais emoções para sugar, o que mais os Dementadores buscavam naquela prisão. Os gritos ecoavam pela prisão mais loucamente nesta noite do que nas últimas semanas, as sombras aproveitaram-se para se saciarem. A visão era abismal! Centenas de Dementadores se apressaram para dentro das celas e vasculhavam até encontrar a sua "refeição", parecia a visão do fim do mundo, um mar negro sobre toda Azkaban.

Esta manifestação dos Dementadores abriu caminho para a menina, que não abrandou o passo. Assim como ela era invisível aos Dementadores, os Dementadores eram invisíveis para a menina.

Numa cela, o comportamento dos guardiões de Azkaban não passou despercebido ao prisioneiro, ele tentou observar pelas grades da cela o movimento agitado dos Dementadores, assim como a agitação dos prisioneiros, que gritavam e tentavam correr pelas celas minúsculas. No tempo em que ele esteve trancafiado naquela cela, naquela prisão, em raros momentos os Dementadores se agitavam tanto... A chegada de novos prisioneiros, com emoções felizes frescas para serem sugadas e serem substituídas por depressão e desespero. Haviam correntes penduradas na cela deste homem, mas este não estava imobilizado por elas. Transformando-se na sua forma animal, as correntes tornavam-se inúteis, era um homem engenhoso e inteligente este prisioneiro. Muito magro, inclusive, o homem assemelhava-se a um esqueleto, parecia não ver comida há anos. A sua barba, no entanto, escondia a magreza do rosto.

Cabelos negros longos e ondulados cobriam os ombros e desciam dezenas de centímetros abaixo e emolduravam o seu rosto branco pálido e esquelético, deixando em evidência os seus olhos cinzentos claros. Um pouco de loucura habitava no seu olhar, um cão assustado que tentava permanecer focado no que lhe era a certeza mais importante, que o fazia enfrentar um novo dia ou noite, o tempo não era perceptível naquela prisão.

O seu olhar voltou-se para o deserto que parecia o exterior da sua cela, estava tudo calmo no seu lado. Mas, claramente, não duraria para sempre, logo ele ouviu passos em sua direção. Passos... O seu pensamento estava correto?

Um ser vivo a andar livremente por Azkaban... Outro animago? Ou Dumbledore? - o homem olhava para a sombra que se esticou à medida que a figura se aproximava. A lentidão dos passos tornava o belo, mas desgastado homem, impaciente, foi então que ele viu uma luz bater parcialmente contra a figura, uma figura pequena, notou ele. Os seus olhos estreitaram-se... Uma criança passou na sua frente dos seus olhos. Uma criança, em Azkaban. O animago seguiu a criança do seu lado, atrás das grades, quando a criança parecia que ia seguir em frente, um latido surgiu do cão negro e repercutiu nos ouvidos da menina, foi o que pareceu, pois a menina havia parado de andar. O estranho comportamento dos Dementadores pode ter a sua resposta pela presença da menina inocente num lugar cheio de pessoas desoladas, uma pequena esperança de fuga da prisão. O que não pode ser respondido é...

Transformado de volta em homem, ele colocou as suas mãos nas grades, frente à criança atrás delas. A menina olhava-o sem brilho nos olhos, impressionantemente, os seus olhos não combinavam com a monotonia que o seu olhar apresentava. Um verde indescritível olhava, finalmente, nos olhos cinzentos do homem. Ele tentava formular uma pergunta, logo quando outra questão surgiu.

- Como...? - ajoelhado diante a menina, o homem olhava abismado, preocupado com a menina na sua frente, sem barreiras, não mais havia grades a separá-los. - O que fazes aqui... menina? - a sua voz era forte, parece que o seu tempo em Azkaban não lhe roubou a voz, uma surpresa após tantas atrocidades que viveu neste presídio.

Ele viu os olhos da menina brilharem, não com uma luz do exterior, apenas um brilho penetrante oriunda do seu poder mágico, mas não viu a menina aproximar-se.

- Tu eras o cãozinho que me visitava. - a menina abriu um sorriso para o homem, ele apenas a olhava.

"O cãozinho que a visitava"... "O cãozinho que a visitava"... - as palavras que o seu mais recente contacto humano lhe dirigiu colocou os pensamentos do homem à procura de uma resposta para o que ouviu.

- És tu! Não voltaste mais. - a menina baixou o olhar, entristecida.

Uma criança, agora ele vê. Uma criança está em Azkaban, uma maldita prisão! Uma criança... pensamentos felizes?

Os Dementadores não a sentiram ainda?! - pensou o homem, alarmado. Havia pensado que tinha falado em voz alta, mas não ouviu ou sentiu ninguém aproximar-se dele. - Não pensei em como sair daqui, apenas não sei, não sei como tirar-me a mim e a uma criança daqui.

- As crianças são quem dão um nome aos seus amigos cães, eu não tive oportunidade. - a menina disse, fazendo uma pose pensativa.

O homem olhava a menina, os seus olhos prestavam atenção às características da menina. A luz na cela era mínima, perceber a cor do cabelo, da pele, qualquer cor era indistinguível, unicamente os seus olhos eram distinguíveis naquele breu.

- Sirius.

A essa resposta, a menina o olhou e franziu as delicadas sobrancelhas.

- Não escolhi o nome ainda. - disse ela.

- A minha alcunha é Almofadinhas... - Sirius informou, abaixando-se novamente até à altura da criança. - Vieste aqui, sabes o porquê, pequena?

- Almofadinhas e Sirius...

- Sirius Black. - Sirius concluiu. A menina olhou-o novamente.

- Almofadinhas e Sirius Black, eras o meu amigo cãozinho. - novamente a menina falou, olhando Sirius com os seus olhos iluminados.

Sirius questionava-se se era a cor natural dos olhos dela ou era um feitiço. Ele apostava no feitiço, um feitiço involuntário da própria criança. Pela sua estatura, Sirius calculava que a criança teria em torno de cinco anos. Nessa idade, os pequenos bruxos não detinham controlo sobre os seus poderes. Saindo do seu pensamento, Sirius desejou não tê-lo feito. Ao voltar à realidade, a pequena criança havia desaparecido. Num vislumbre, Sirius pensou ter avistado um raio de sol entrar pela janela, ele estava enganado. Ao invés do raio de sol, uma pequena pulseira dourada estava perfeitamente colocada sob a pedra que era a janela da cela.

"Isabella Potter - 31 de julho de 1980"

A mente de Sirius preencheu as cores das características físicas de Isabella Potter, a criança que acabara de desaparecer pela segunda vez do campo de visão de Sirius. Belos cabelos ruivos acastanhados, olhos indescritivelmente verdes e pele suavemente branca, uma cópia da sua mãe, imaginava ele, enquanto se sentava no seu habitual canto, a pulseira dourada na sua mão, ele não previa soltar aquela pequena pulseira de recém-nascido por ora. Aliás... ela estava de pijama. Seria agora de noite? Sirius questionava-se, ansioso.

Três, quatro anos perdidos em Azkaban. - pensou Sirius, lembrando-se da criança que o visitou. Um lampejo de dúvida ainda questionava se ele não havia alucinado com a aparição da filha dos seus falecidos amigos, da sua afilhada. A sua afilhada havia aparecido na sua frente, em Azkaban, viva. A sua afilhada estava viva, parecia bem tratada, mas por quem? O alívio de Sirius acabou quando ouviu o tão conhecido som dos Dementadores a vir até ele, a sua forma de animago voltou, ele ganhou forças para continuar, apenas mais um pouco.

Mais uma vez, o sol caía sobre Inglaterra, as pessoas começavam o dia, preparavam-se para enfrentar mais um dia de trabalho. Sem exceção, Petúnia teria tarefas a fazer o dia todo.

- Tem um ótimo dia de trabalho, querido. - desejou Petúnia a Valter, beijando-o em ambas as bochechas, sorridente, ao que Valter aceitou e retribuiu. Os cabelos loiros de Petúnia não brilhavam quando eram batidos pelos raios de sol, e os seus olhos azuis ressaltavam o quão pálida ela aparentava ser. Isabella e Harry viam a sua tia desta maneira, todos os seus traços físicos e personalidade eram desagradáveis aos seus olhos. Os gêmeos espreitavam a despedida dos tios pela fresta da porta do armário sob as escadas, onde haviam acordado há pouco, a tempo de ajudar no pequeno-almoço.

Fechando a porta do armário, os rostos dos irmãos transformaram-se em carrancas.

- Vai começar outro dia de trabalho escravo, Isa. - disse Harry, visivelmente irritado. As poucas tarefas domésticas que a tia Petúnia não os empurrava para fazer era cuidar das suas amadas flores, petúnias brancas, que ficavam no alpendre, e cozinhar.

- O sol está alto lá fora, Harry. - disse Isabella, fazendo Harry olhar para ela. - Crianças da nossa idade deviam estar na creche, mas como nós não vamos... Que tal um passeio pela lagoa? - sussurrou a menina.

Compartilhando do mesmo olhar da sua irmã, Harry sorriu docemente, tendo em mente o que poderiam fazer durante o dia.

- A lagoa é boa, podemos torná-lo mais divertido também. - Harry rastejou pelo colchão até uma caixinha que ele mantinha escondida com Isabella. - Podemos comprar gelados, o verão chegou! - Harry animou-se, o seu sorriso maroto contagiou Isabella que estava bem animada antes da palavra "gelados". A caixinha continha algum dinheiro guardado pelo dois, dinheiro esse que foram ganhando conforme os seus tios lhes pediam para comprar alguma coisa sozinhos ou que foram encontrando pelo chão. Os seus tios esqueciam-se até mesmo dos trocos, demasiado ocupados em reclamar de qualquer coisa que os seus sobrinhos haviam comprado "que não foi o que os seus tios mandaram".

Com baques altos na pequena porta, os sorrisos dos gêmeos desvaneceram com a voz da sua tia, embora a sua voz não fosse muito alta, pois o seu filho, Dudley Dursley, primo dos gêmeos, ainda dormia. A sua creche começava mais tarde, ele podia dormir. Eram quase oito horas, em breve, Dudley iria acordar e fazer companhia aos seus primos.

- A tia Petúnia vai acordar o Duda em alguns minutos, nessa hora, nós fugimos para o nosso dia de lagoa. - sussurrou Isabella, antes de Harry abrir a porta.

- Têm trabalho a fazer, a loiça não se limpa sozinha. Andem, despachem-se! O meu Dudley merece capricho neste dia, ele está nos últimos dias da creche. - ouviu-se a voz detestável de Petúnia, que estava orgulhosa ao olhar para o calendário. - Amanhã ele fará o seu quinto aniversário, o meu amorzinho.

Em 23 de junho, Dudley Dursley faz aniversário. Nos últimos aniversários, os presentes aumentavam em relação ao ano anterior, quantos presentes Duda receberia desta vez? Épocas festivas como esta são os momentos mais solitários de Harry e Isabella, são momentos em que se sentem fora da família, mais do que o normal. Os gêmeos perguntavam-se o porquê dos seus tios os aceitarem na família, eles perguntaram a adultos e a alguns amigos da creche a obrigação dos parentes para com os filhos de irmãos falecidos, nada nem ninguém obrigava a adoção. Poderia ser que os irmãos estavam cegos e não viam o carinho e o respeito com que os seus tios os tratavam?

- Raízes vão crescer se continuarem especados aí! Apressem-se e cumpram o vosso dever! - desta vez, tia Petúnia aumentou o tom de voz, puxando os gêmeos pelos cabelos até à cozinha. Havia pequenos bancos e utensílios para a tarefa dos dois, não era problema.

"O nosso dever"...?! A creche é para onde devíamos ir. - pensaram os dois, carrancudos.

Harry e Isabella frequentavam obrigatoriamente a creche, contudo, segundo os seus tios "faltar a um dia para ajudar a família era o mínimo que poderiam fazer pela hospitalidade de os manter consigo". Os irmãos eram lembrados de não serem aceitos na família frequentemente, não apenas por palavras, mas também pela diferença abismal entre a atitude dos tios com Dudley, uma criança da mesma idade de Harry e Isabella, e entre os mesmos.

Petúnia manteve um olhar de falcão sobre as crianças, antes de voltar para a sua revista. Isabella e Harry olhavam-se ocasionalmente enquanto prestavam atenção ao tic-tac, tic-tac, tic-tac do relógio na cozinha, a hora aproximava-se e, como previsto, tia Petúnia levantou-se e foi em direção às escadas, subindo-as, não antes de espreitar os sobrinhos e fitá-los com uma carranca de cavalo antes de subir.

Sem perder tempo, Isabella e Harry correram o mais rápido que puderam até à saída, o último barulho que escutaram foi Petúnia entretida a falar animadamente com o seu filho sonolento no andar de cima.

- Harry...! - sussurrou Isabella, puxando Harry para se esconder atrás de uma das casas.

Ambos observavam as famílias a despedirem-se dos parentes e irem trabalhar. Os vizinhos conheciam-se todos, superficialmente, mas o suficiente para reconhecer as duas crianças e avisarem a sua tia da fuga.

- Por que parece que ela está a vir aqui? - sussurrou Harry, engolindo em seco e olhando para a sua irmã por um segundo antes de voltar o olhar para quem se aproximava.

- Devia ir passear, não tem nada a fazer aqui. - respondeu Isabella, sem vontade de voltar para casa agora.

- Vamos. - Harry pegou na mão de Isabella, que estava distraída com a aproximação de uma das suas vizinhas. Aquela nem mesmo era a casa dela!

Atrás de todas as casas do condomínio, árvores iniciavam a floresta que ali existia. Os gêmeos fugiram, escondendo-se atrás das árvores enquanto corriam.

- Eu agradecia se este caminho não nos arranhasse. - comentou Isabella, desviando-se dos ramos que quase a tocavam.

- É o caminho mais curto. - disse Harry, tirando o ramo preso na sua roupa e que o prendeu à árvore.

- Ninguém parece seguir-nos. - em cima de uma raiz exposta da árvore, Isabella ficou em bicos dos pés, tentando ter um melhor campo de visão. - Percebemos tudo errado? - ela desceu da raiz. - Bem, impedimos de sermos descobertos.

Naquele lugar, os gêmeos ainda podiam ouvir a tia Petúnia a desejar bom dia aos vizinhos que passavam na frente da sua casa.

- Não duvido que a tia Petúnia tenha percebido a nossa falta. - Harry livrou-se do ramo preso à sua T-shirt, era uma manhã ensolarada, ambos vestiam roupas frescas. - Podemos ir agora.

Isabella seguiu Harry e, no meio da corrida, uma conversa iniciou-se.

- Não estiveste comigo de noite ontem. - disse Harry. - Onde vais... quando isso acontece? - a incerteza habitava na sua voz infantil.

- Eu adormeço e acordo no nosso cubículo sempre, não tenho memórias de quando desapareço, Harry. - respondeu Isabella. Desaparecer... Como alguém desaparece e reaparece do nada? - Acreditas em magia?

Acreditar em magia? Harry viu com os próprios olhos a sua irmã desaparecer e reaparecer no meio da noite, a primeira vez do ocorrido impediu-o de dormir, mas a sua irmã sempre voltava. Ela regressava antes que o primeiro raio do sol caísse sobre a cidade.

- O meu cabelo nunca mais foi cortado contra a minha vontade. - Harry tocou na sua cicatriz, escondida atrás da sua franja, o mesmo fez Isabella.

- É, o meu muito menos. - riu-se Isabella, Harry juntou-se a ela. Parecia uma conversa interna, eles sabiam o significado.

- Pode ser que alguém nos esteja a proteger, como um anjo da guarda! - cogitou Harry, animado com a ideia de uma figura protetora.

- Um anjo da guarda... Se for isso, ele pode estar aqui agora! - Isabella olhou ao redor. - Oláaa, anjo! - gritou Isabella, acenando animadamente para cada canto.

- Queremos conhecer-te um dia, anjo! - desejou Harry.

Os dois estavam longe o suficiente da sua casa, o caminho para o lagoa era um espaço aberto. A felicidade daquele momento deles acompanhou-os enquanto jogavam à apanhada enquanto seguiam caminho. O tempo passou a correr, a lagoa estava no campo de visão dos dois irmãos.

Os irmãos brincavam na água, aproveitando o tempo ao ar livre numa manhã ensolarada. Muitos viviam o contrário, num lugar remoto, pesadas nuvens escuras faziam sombra sobre Azkaban.

Sirius passeava pela sua cela em que estava confinado, apenas uns quantos passos lhe eram permitido dar sem bater contra a parede. O seu corpo estava fraco, as condições em Azkaban eram desumanas, mas sentenciadas para humanos. O belo homem passou estas últimas horas, desde a visita da sua afilhada, a pensar como reagir. O que ele deveria fazer? Ele ansiava uma nova visita da sua afilhada e, ao mesmo tempo, desejava ela bem longe daquele circo de horrores. A incerteza de Sirius era o bastante para o impedir de pensar numa maneira de escapar de Azkaban, a sua afilhada está bem e saudável... e o seu afilhado? Harry... Como estaria ele?

- Maldito, maldito, maldito... - Sirius desgrenhava os seus cabelos negros em frustração. Ele pensava em voltar no tempo, ainda não era muito tarde, ele pensava em escapar e procurar loucamente pelos seus afilhados, ele foi honrado com um convite de apadrinhamento por Lily e James Potter e aceitava esse dever, é o que ele quer, dedicar-se aos seus afilhados e dar-lhes a vida de que foram privados pelo assassino dos seus pais. Vê-los a crescer, protege-los de idiotas e agressores, ensiná-los feitiços, entregar a capa... A capa passada a cada filho mais velho da família Potter, era tradição. Aquela menina merecia-a quando fizesse onze anos. James Potter e Sirius tiveram essa conversa um dia, foi engraçado, James, mesmo um adulto de vinte e um anos, escondia-se com a capa da invisibilidade e aprontava partidas como uma criança, ele brincava às escondidas com os seus filhos bebés. Muitos desejos e perspetivas para o futuro aquele homem havia criado, o melhor amigo de Sirius, um irmão.

Uma visita mais, Sirius queria voltar a vê-la. E, talvez, Harry viesse junto.

- Já tivemos um cão antes?

Flutuando na lagoa, Harry e Isabella olhavam a passagem das nuvens, todas elas tinham formatos divertidos, uma delas, de um cão.

- Nunca tivemos animais de estimação, o Duda ou os tios iriam acabar com eles em menos de um dia. - respondeu Harry, procurando a nuvem que a sua irmã tanto olhava.

- É o cãozinho dos meus sonhos, um grande cão com pelo negro. Sirius Black, é o nome dele. Ele contou-me. - Isabella olhava a nuvem que a lembrava do seu sonho enquanto as suas mãos brincavam com a água.

Harry pensava no que a sua irmã falou. Ela desaparece e tudo o que lhe resta é um sonho... assim como Harry.

- Esse foi o meu sonho também. - uma onda de água fez Harry se endireitar na água, pois Isabella havia-se agitado e se voltado para o irmão. - Avisa antes ou afogamos os dois! - Harry disparou água contra Isabella, que se protegeu com os braços, mas não resistiu em lançar água ao irmão também, terminando em risos.

- Eu quero encontrá-lo! - Isabella tocou em ambos os braços do irmão, animada.

Mais uma vez, aquele raio dourado, um novo raio dourado apareceu nas sombras da cela. Sirius, mais uma vez, apressou-se e pegou no objeto sobre a sua janela.

"Harry Potter - 31 de julho de 1980"

Apenas esta noite, esta noite foi decisiva. Esta noite marcaria a vida dos Potter. Abusos físicos foram infligidos às duas crianças ao voltar à casa dos tios, que ainda cogitaram expulsá-los, mas não foi o que aconteceu. Que carta fez os seus tios mudarem de ideias? Harry e Isabella ainda queriam saber, uma noite comum foi aquela, eles podiam admitir.

Nessa noite, os gêmeos Potter não foram mandados para a rua, mas foi nessa noite que Azkaban perdeu um prisioneiro. Essa noite marcou a vida de Sirius Black. Este, por sua vez, estava na sua forma animago, um cão negro que gastava todo o seu fôlego numa única corrida da sua cela para além de Azkaban. A sua visão estava turva, ele corria mais do que o seu corpo podia sustentar, o mar à sua frente... como ele o ultrapassara? Ele atravessou todo o mar, e a sua varinha, por que razão ela apareceu assim que ele chegou a terra, longe do presídio?

O seu destino ainda estava longe, ele corria até ele, se o seu corpo sofria, Sirius não deu importância o suficiente para reparar.

Sirius deixou para trás a tempestade eterna que assolava Azkaban, a noite acolhia a sua vontade e os obstáculos que apareciam na sua frente eram enfrentados pelo animago, sem alguém saber, aquele esquelético cão negro era um excecional bruxo.